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5.1.15

NIETZSCHE, Friedrich. O Crepúsculo dos Ídolos.

NOTAS DE
Crepúsculo dos ídolos - Ou como se filosofa com o martelo
Nietzsche, Friedrich

30 de dezembro de 2014
Prólogo
Nenhuma coisa tem êxito, se nela não está presente a petulância. Apenas o excesso de força é prova de força.

30 de dezembro de 2014
I MÁXIMAS E FLECHAS
Desconfio de todos os sistematizadores e os evito. A vontade de sistema é uma falta de retidão.

30 de dezembro de 2014
I MÁXIMAS E FLECHAS
Quão pouco é necessário para a felicidade! O som de uma gaita-de-foles. — Sem a música a vida seria um erro.

30 de dezembro de 2014
I MÁXIMAS E FLECHAS
Você quer ir junto? Ou ir à frente? Ou ir por si?... É preciso saber o que se quer e que se quer.

30 de dezembro de 2014
I MÁXIMAS E FLECHAS
A fórmula de minha felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta...

30 de dezembro de 2014
II O PROBLEMA DE SÓCRATES
Ter de combater os instintos — eis a fórmula da décadence: enquanto a vida ascende, felicidade é igual a instinto.

30 de dezembro de 2014
III A “RAZÃO” NA FILOSOFIA
Não há sentido em fabular acerca de um “outro” mundo, a menos que um instinto de calúnia, apequenamento e suspeição da vida seja poderoso em nós: nesse caso, vingamo-nos da vida com a fantasmagoria de uma vida “outra”, “melhor”.

30 de dezembro de 2014
V MORAL COMO ANTINATUREZA
A moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se, pelo contrário, justamente contra os instintos da vida — é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos. Quando diz que “Deus vê nos corações”,41 ela diz Não aos mais baixos e mais elevados desejos da vida, e toma Deus como inimigo da vida... O santo no qual Deus se compraz é o castrado ideal... A vida acaba onde o “Reino de Deus” começa...

30 de dezembro de 2014
V MORAL COMO ANTINATUREZA
A Igreja primitiva lutou, como se sabe, contra os “inteligentes”, em favor dos “pobres de espírito”: como se poderia dela esperar uma guerra inteligente contra a paixão? — A Igreja combate a paixão com a extirpação em todo sentido: sua prática, sua “cura” é o castracionismo. Ela jamais pergunta: “Como espiritualizar, embelezar, divinizar um desejo?” — em todas as épocas, ao disciplinar, ela pôs a ênfase na erradicação (da sensualidade, do orgulho, da avidez de domínio, da cupidez, da ânsia de vingança). — Mas atacar as paixões pela raiz significa atacar a vida pela raiz: a prática da Igreja é hostil à vida...

30 de dezembro de 2014
V MORAL COMO ANTINATUREZA
A espiritualização da sensualidade chama-se amor

30 de dezembro de 2014
V MORAL COMO ANTINATUREZA
Quase todo partido vê que está no interesse de sua autoconservação que o partido oposto não esgote a força; o mesmo vale para a grande política. Sobretudo uma nova criação, o novo Reich, por exemplo, tem mais necessidade de inimigos que de amigos: apenas no antagonismo ele se sente necessário, apenas no antagonismo ele se torna necessário...

30 de dezembro de 2014
V MORAL COMO ANTINATUREZA
A moral, tal como foi até hoje entendida — tal como formulada também por Schopenhauer enfim, como “negação da vontade de vida” —, é o instinto de décadence mesmo

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Erro da confusão de causa e conseqüência. — Não há erro mais perigoso do que confundir a conseqüência e a causa: eu o denomino a verdadeira ruína da razão.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Cada erro, em todo sentido, é conseqüência da degeneração do instinto, da desagregação da vontade: com isso praticamente se define o ruim. Tudo bom é instinto — e, portanto, leve, necessário, livre.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
O erro do espírito como causa confundido com a realidade! E tornado medida da realidade! E denominado Deus!

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
queremos uma razão para nos acharmos assim ou assim — para nos acharmos bem ou nos acharmos mal. Nunca nos basta simplesmente constatar o fato de que nos achamos assim ou assim: só admitimos esse fato — dele nos tornamos conscientes —, ao lhe darmos algum tipo de motivação.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Explicação psicológica para isso. — Fazer remontar algo desconhecido a algo conhecido alivia, tranqüiliza, satisfaz e, além disso, proporciona um sentimento de poder. Com o desconhecido há o perigo, o desassossego, a preocupação — nosso primeiro instinto é eliminar esses estados penosos

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Na verdade, todas essas supostas explicações são estados resultantes e, por assim dizer, traduções de sentimentos de prazer ou desprazer em um falso dialeto: pode-se ter esperança porque o sentimento fisiológico básico está novamente rico e forte; confia-se em Deus porque o sentimento de força e plenitude dá tranqüilidade.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
A moral e a religião inscrevem-se inteiramente na psicologia do erro: em cada caso são confundidos efeito e causa;

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Todo o âmbito da moral e da religião se inscreve nesse conceito das causas imaginárias.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Erro do livre-arbítrio. — Hoje não temos mais compaixão pelo conceito de “livre-arbítrio”: sabemos bem demais o que é — o mais famigerado artifício de teólogos que há, com o objetivo de fazer a humanidade “responsável” no sentido deles, isto é, de torná-la deles dependente... Apenas ofereço, aqui, a psicologia de todo “tornar responsável”.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
quando nós, imoralistas, buscamos com toda a energia retirar novamente do mundo o conceito de culpa e o conceito de castigo, e deles purificar a psicologia, a história, a natureza, as sanções e instituições sociais, não existem, a nossos olhos, adversários mais radicais do que os teólogos, que, mediante o conceito de “ordem moral do mundo”, continuam a empestear a inocência do vir-a-ser com “culpa” e “castigo”. O cristianismo é uma metafísica do carrasco...

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Qual pode ser a nossa doutrina? — Que ninguém dá ao ser humano suas características, nem Deus, nem a sociedade, nem seus pais e ancestrais, nem ele próprio

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Ninguém é responsável pelo fato de existir, por ser assim ou assado, por se achar nessas circunstâncias, nesse ambiente.

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
Nós é que inventamos o conceito de “finalidade”: na realidade não se encontra finalidade...

2 de janeiro de 2015
VI -OS QUATRO GRANDES ERROS
O conceito de “Deus” foi, até agora, a maior objeção à existência... Nós negamos Deus, nós negamos a responsabilidade em Deus

2 de janeiro de 2015
VII OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE
uma percepção51 que fui o primeiro a formular: de que não existem absolutamente fatos morais. O julgamento moral tem isso em comum com o religioso, crê em realidades que não são realidades.

2 de janeiro de 2015
VII OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE
mediante o depressivo afeto do medo, mediante dor, fome, feridas, ela se torna uma besta doentia. — Não é diferente com o homem domado, que o sacerdote “melhorou”.

2 de janeiro de 2015
VII OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE
Chamar a domesticação de um animal sua “melhora” é, a nossos ouvidos, quase uma piada.

2 de janeiro de 2015
VII OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE
Mas que aparência tinha depois esse germano “melhorado”, conquistado para o claustro? A de uma caricatura de homem, de um aborto: tornara-se um “pecador”, estava numa jaula, tinham-no encerrado entre conceitos terríveis... Ali jazia ele, doente, miserável, malevolente consigo mesmo; cheio de ódio para com os impulsos à vida, cheio de suspeita de tudo o que ainda era forte e feliz. Em suma, um “cristão”...

2 de janeiro de 2015
VII OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE
todos os meios pelos quais, até hoje, quis-se tornar moral a humanidade foram fundamentalmente imorais.

2 de janeiro de 2015
VIII O QUE FALTA AOS ALEMÃES
O que as “escolas superiores” da Alemanha realmente alcançam é um brutal adestramento, a fim de, com a menor perda possível de tempo, tornar útil, utilizável para o Estado um grande número de homens jovens

2 de janeiro de 2015
VIII O QUE FALTA AOS ALEMÃES
“Educação superior” e grande número — duas coisas que se contradizem de antemão. Qualquer educação superior pertence apenas à exceção: é preciso ser privilegiado para ter direito a tão elevado privilégio. Todas as coisas grandes, todas as coisas belas não podemjamais ser umbemcomum

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Criar coisas em que o tempo crave suas garras em vão; buscar uma pequena imortalidade na forma, na substância — jamais fui modesto o bastante para exigir menos de mim. O aforismo, a sentença, nos quais sou o primeiro a ser mestre entre os alemães, são as formas da “eternidade”; minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro — o que qualquer outro não diz em um livro... Dei à humanidade o mais profundo livro que ela possui, meu Zaratustra: em breve lhe darei o mais independente. —139

2 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Para haver arte, para haver alguma atividade e contemplação estética, é indispensável uma precondição fisiológica: a embriaguez.

2 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O essencial na embriaguez é o sentimento de acréscimo da energia e de plenitude. A partir desse sentimento o indivíduo dá [?] às coisas, força-as a tomar de nós,86 violenta-as

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Esse ter de transformar no que é perfeito é — arte.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O arquiteto não representa nem um estado dionisíaco, nem um apolíneo: aí é o grande ato de vontade, a vontade que move montanhas,89 a embriaguez da grande vontade que exige tornar-se arte. Os indivíduos mais poderosos sempre inspiraram os arquitetos; o arquiteto sempre esteve sob a sugestão do poder

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O ator, o mímico, o dançarino, o músico, o poeta lírico são basicamente aparentados em seus instintos e essencialmente um, mas aos poucos se especializaram e separaram um do outro

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
arquitetura é uma espécie de eloqüência do poder em formas, ora persuadindo, até mesmo lisonjeando, ora simplesmente ordenando.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Belo e feio. — Nada é mais condicionado, digamos limitado, do que nosso sentimento do belo.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O ser humano acredita que o mundo está repleto de beleza — ele esquece de si mesmo como causa dela. Somente ele dotou o mundo de beleza, oh, de uma beleza muito humana, demasiado humana... No fundo, o ser humano se espelha nas coisas, acha belo tudo o que lhe devolve a sua imagem: o juízo “belo” é sua vaidade de espécie...

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
A arte é o grande estimulante para a vida: como poderíamos entendê-la como sendo sem finalidade, sem objetivo, como l’art pour l’art? — Permanece uma questão: a arte também traz à luz muito do que é feio, duro, questionável na vida — ela não parece com isso tirar a paixão pela vida?

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
De um exame de doutorado. — “Qual a tarefa de todo ensino superior?” — Fazer do homem uma máquina. — “Qual o meio para isso?” — Ele tem que aprender a enfadar-se. — “Como se consegue isso?” — Mediante o conceito de dever.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
alguém deve ser culpado por ele se encontrar mal... E a “bela indignação” mesma lhe faz bem, para todo pobre-diabo é um prazer xingar — dá uma pequena embriaguez de poder.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
E o próprio “além” — para que um além, se não fosse um meio de denegrir o aquém?...

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Desagregação dos instintos! O ser humano está no fim, quando se torna altruísta.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O doente é um parasita da sociedade. Num certo estado, é indecente viver mais tempo. Prosseguir vegetando em covarde dependência de médicos e tratamentos, depois que o sentido da vida, o direito à vida foi embora, deveria acarretar um profundo desprezo na sociedade.

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Não nos é dado nos impedir de nascer: mas podemos reparar esse erro — pois às vezes é um erro. Se alguém se elimina, faz a coisa mais respeitável que existe: com isso, quase se merece viver...

3 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Morrer orgulhosamente, quando não é mais possível viver orgulhosamente. A morte escolhida livremente, a morte empreendida no tempo certo, com lucidez e alegria, em meio a filhos e testemunhas: de modo que ainda seja possível uma real despedida

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Esse movimento, que buscou se apresentar cientificamente com a moral da compaixão, de Schopenhauer — tentativa bastante infeliz! —, é o verdadeiro movimento de décadence na moral, e, como tal, tem profunda afinidade com a moral cristã.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
As épocas devem ser medidas conforme suas forças positivas — e nisso a época do Renascimento, tão pródiga e tão rica em fatalidade, surge como a última grande época, e nós, modernos, com nosso angustiado cuidado-próprio e amor ao próximo, com nossas virtudes de trabalho, despretensão, legalidade, cientificidade — acumuladores, econômicos, maquinais —, como uma época fraca... Nossas virtudes são determinadas, provocadas por nossa fraqueza...

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
A “igualdade”, um certo assemelhamento real que acha expressão apenas na teoria de “direitos iguais”, é essencialmente própria do declínio: o fosso entre um ser humano e outro, entre uma classe e outra, a multiplicidade de tipos, a vontade de ser si próprio, de destacar-se, isso que denomino páthos da distância é característico de toda época forte. A tensão, a distância entre os extremos torna-se hoje cada vez menor — por fim, os próprios extremos se apagam até atingir a semelhança...

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
o espírito que se tornou livre, pisoteia a desprezível espécie de bem-estar com que sonham pequenos lojistas, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros democratas. O homem livre é guerreiro.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Os povos que tiveram algum valor, que se tornaram de valor, nunca se tornaram assim sob instituições liberais: o grande perigo fez deles algo que merece respeito, o perigo que nos faz conhecer nossos recursos, nossas virtudes, nossas armas e defesas, nosso espírito — que nos compele a ser fortes... Primeiro princípio: há que ter necessidade de ser forte; senão jamais chegamos a sê-lo.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Pois o que é liberdade? Ter a vontade da responsabilidade por si próprio. Preservar a distância que nos separa.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
o casamento por amor praticamente eliminou o fundamento do matrimônio, aquilo que faz dele uma instituição

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
não se funda o matrimônio, como disse, no “amor” — ele é fundado no instinto sexual, no instinto de posse (mulher e filho como posses), no instinto de dominação, que incessantemente organiza para si a menor formação de domínio,126 a família, que necessita de filhos e herdeiros, para segurar também fisiologicamente a medida que alcançou de poder, influência e riqueza, para preparar longas tarefas e a solidariedade de instinto entre os séculos.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O democratismo sempre foi a forma de declínio da força organizadora

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Para que haja instituições, é preciso haver uma espécie de vontade, de instinto, de imperativo, antiliberal até a malvadeza

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Sobre determinadas coisas não se colocam questões: primeiro imperativo do instinto. — Não consigo ver o que se pretende fazer com o trabalhador europeu, depois de tê-lo transformado numa questão. Ele se acha bem demais para não pedir cada vez mais,127 de maneira cada vez mais imodesta. Ele tem, afinal, o grande número a seu favor. Foi-se totalmente a esperança de aí se formar como classe uma espécie modesta e satisfeita de homem, um tipo chinês: e haveria racionalidade nisso, seria mesmo uma necessidade. O que se fez? — Tudo para já destruir em germe o pressuposto para isso — liquidou-se completamente, com a mais irresponsável leviandade, os instintos mediante os quais o trabalhador se torna possível como classe, possível para si mesmo. Tornaram-no apto para o serviço militar, deram-lhe o direito de associação, o direito ao voto político: como admirar que hoje ele já sinta sua existência como uma calamidade (expresso moralmente, como injustiça —)? Mas que querem?, pergunto mais uma vez. Querendo-se um fim, é preciso querer também os meios: querendo-se escravos, é uma tolice educá-los para senhores.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
O tipo criminoso é o tipo do ser humano forte sob condições desfavoráveis, um homem forte que tornaram doente.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
É decisivo, para a sina de um povo e da humanidade, que se comece a cultura no lugar certo — não na “alma” (como pensava a funesta superstição dos sacerdotes e semi-sacerdotes): o lugar certo é o corpo, os gestos, a dieta, a fisiologia, o resto é conseqüência disso...

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Rousseau, esse primeiro homem moderno, idealista e canaille [canalha] numa só pessoa; que necessitava de “dignidade” moral para suportar seu próprio aspecto; doente de vaidade desenfreada e desenfreado autodesprezo.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Também odeio Rousseau na Revolução: ela é a expressão universal dessa dualidade de idealista e canaille. A sangrenta farce [farsa] em que transcorreu essa Revolução, sua “imoralidade”, pouco me interessa: o que odeio é sua moralidade rousseauniana — as chamadas “verdades” da Revolução, com as quais ela continua a produzir efeito e persuadir todos os rasos e medianos. A doutrina da igualdade!... Mas não há veneno mais venenoso: pois ela parece ser pregação da própria justiça, quando é o fim da justiça... “Igualdade aos iguais, desigualdade aos desiguais” — isto seria o verdadeiro discurso da justiça: e, o que daí se segue, “Nunca tornar igual o desigual”.

4 de janeiro de 2015
IX INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO
Pode-se dizer que, em determinado sentido, o século xix buscou também tudo aquilo que Goethe buscou como pessoa: uma universalidade na compreensão e na aprovação, um deixar tudo aproximar-se, um ousado realismo, uma reverência por tudo factual. Como sucede que o resultado geral não seja um Goethe, mas um caos, um suspirar niilista, um não-saber-para-onde, um instinto de cansaço, que in praxi [na prática] impele continuamente a lançar mão do século XVIII (— em forma de romantismo do sentimento, por exemplo, de altruísmo e hipersentimentalidade, de feminismo no gosto, de socialismo na política)?

4 de janeiro de 2015
X O QUE DEVO AOS ANTIGOS
Minha desconfiança de Platão vai fundo, afinal: acho-o tão desviado dos instintos fundamentais dos helenos, tão impregnado de moral, tão cristão anteriormente ao cristianismo — ele já adota o conceito “bom” como conceito supremo —, que eu utilizaria, para o fenômeno Platão, a dura expressão “embuste superior” ou, se soar melhor, idealismo, antes que qualquer outra palavra. Pagou-se caro pelo fato de esse ateniense haver freqüentado a escola dos egípcios (— ou dos judeus no Egito?...). Na grande fatalidade que foi o cristianismo, Platão é aquela ambigüidade e fascinação chamada de “ideal”, que possibilitou às naturezas mais nobres da Antigüidade entenderem mal a si próprias e tomarem a ponte que levou à “cruz”... E quanto de Platão ainda se acha no conceito “Igreja”, na construção, no sistema, na prática da Igreja!

4 de janeiro de 2015
X O QUE DEVO AOS ANTIGOS
Tucídides e, talvez, o principe [príncipe] de Maquiavel147 são os mais próximos a mim mesmo, pela incondicional vontade de não se iludir e enxergar a razão na realidade — não na “razão”, e menos ainda na “moral”..

4 de janeiro de 2015
X O QUE DEVO AOS ANTIGOS
A coragem ante a realidade é o que distingue, afinal, naturezas como Tucídides e Platão: Platão é um covarde perante a realidade — portanto, refugia-se no ideal; Tucídides tem a si sob controle; portanto, mantém as coisas também sob controle...

4 de janeiro de 2015
X O QUE DEVO AOS ANTIGOS
Só o cristianismo, com seu fundamental ressentimento contra a vida, fez da sexualidade algo impuro: jogou imundície no começo, no pressuposto de nossa vida...

4 de janeiro de 2015
FALA O MARTELO
Pois todos os que criam são duros. E terá de vos parecer bem-aventurança imprimir vossa mão nos milênios como se fossem cera — — Bem-aventurança escrever na vontade de milênios como se fossem bronze — mais duros que bronze, mais nobres que bronze. Apenas o mais nobre é perfeitamente duro. — Esta nova tábua, ó irmãos, ponho sobre vós: tornai-vos duros!

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