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20.6.17

CAMURÇA, M. A. O Brasil religioso que emerge do Censo de 2010: consolidações, tendências e perplexidades. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). Religiões em movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013.

Os percentuais mais expressivos do Censo de 2010, no que se refere às religiões no país, indicam a continuidade da queda do catolicismo de 73,8% em 2000 para 64,6% em 2010, ao lado da também continuidade do crescimento evangélico de 15,4% para 22,2%, e, por fim, um também crescimento, mas em ritmo menor, dos sem-religião, de 7,28% para 8%.

Quanto aos evangélicos, estes aumentaram de 26 milhões em 2000 para 42,2 milhões em 2010, um aumento de 16 milhões com 4.383 de novos fiéis por dia. Esse crescimento foi alavancado pelos pentecostais que passaram de 10,4% em 2000 para 13,3% em 2010, estimando-se serem hoje cerca de 26 milhões de pessoas e perfazendo 60% de todos os evangélicos do país. Vale dizer que os pentecostais cresceram em todas as regiões do país (IBGE, 2012: 91). Pela força das migrações internas no Brasil eles vão se concentrar principalmente nas periferias das grandes regiões metropolitanas e na fronteira agrícola e mineral do Norte e Centro-Oeste do Brasil, formando o que César Romero Jacob chamou de “anel pentecostal” envolvendo da periferia o centro das grandes metrópoles brasileiras (JACOB, 2003). Entretanto, o crescimento pentecostal se mostrou de modo desigual, com algumas igrejas experimentando um surpreendente crescimento e outras até perdendo fiéis. A Assembleia de Deus se apresenta destacadamente como a maior igreja evangélico-pentecostal com 12,31 milhões de adeptos, atraindo nesta década 3,9 milhões de novos adeptos, seguida de longe pela Congregação Cristã do Brasil com 2,78 milhões, pela neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus com 1,87 milhões, pela Igreja do Evangelho Quadrangular com 1,81 milhões e pela Deus é Amor com 845 mil. Em termos de projeção em relação ao Censo de 2000, a Assembleia de Deus passou de 8,4% naquele Censo para 12,3% no atual, com um crescimento de 46,4%, a Igreja do Evangelho Quadrangular de 1,3% para 1,8%, um aumento de 38,5%, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, de 0,77% para 0,85% com um aumento de 9,2%, ao passo que a Congregação Cristã do Brasil caiu de 2,5% para 2,3%, queda de 8,0%, e a Igreja Universal do Reino de Deus caiu de 2,1% para 1,9%, perda de 9,5% que em números absolutos foi de 228 mil fiéis (Carta Capital, edição 707, 25/07/12; Folha de S. Paulo, 30/06/12). Os evangélicos tradicionais (também chamados protestantes) tiveram ligeiro crescimento em números absolutos, sendo hoje 7,6 milhões, mas estão estagnados em relação ao aumento da população: 4,1% em 2000 e 4,0% em 2010, além disso, sofreram reduções regionais, no Sudeste de 4,3% para 3,9% e no Sul 5,7% para 5,0% em relação ao Censo de 2000. A Igreja mais representativa desse segmento é a Batista, com 3,72 milhões de adeptos (na verdade maior que todas as outras evangélicas ou pentecostais, à exceção da Assembleia de Deus).

Uma das explicações mais de fundo para o decréscimo católico é a sua grande dificuldade para acompanhar as migrações internas que revolvem o Brasil contemporâneo. Onde os católicos mais diminuíram e os pentecostais e sem religião mais cresceram, são as regiões das periferias metropolitanas e as fronteiras de ocupação sem presença institucional católica.

A estrutura eclesial católica centralizada e burocrática, centrada nas paróquias, não consegue acompanhar a mobilidade dos deslocamentos populacionais como as ágeis redes evangélicas. O Padre Thierry Linard, demógrafo designado pela CNBB para comentar o Censo, admite que “a estrutura da Igreja é mais pesada” e que a “Assembleia de Deus tem mais penetração na periferia. Onde surge uma comunidade, surge logo uma igrejinha” (Folha de S. Paulo, 30/06/12).

O crescimento da Assembleia de Deus é um desafio às interpretações de uma sociologia do pentecostalismo. Como explicar o estrondoso aumento de um conjunto de igrejas tradicionais com reserva e desconfiança diante do “mundo”? Possuidoras de um ethos e de uma “teologia da austeridade”, resistente ao consumismo moderno. Diferente da prática das neopentecostais com suas porosidades com a cultura sincrético-popular-religiosa brasileira e com a cultura moderna midiático-política e sua teologia da prosperidade? Por que o tradicionalismo católico tão conservador quanto o da Assembleia desaba vertiginosamente, ao invés deste que só cresce? O cientista político Cesar Romero Jacob ensaia uma explicação com o que chama de “crescimento por pulverização” ou “microempreendedorismo religioso” quando pastores autodidatas abrem sem grandes empecilhos, em qualquer recanto do país, suas pequenas igrejas (O Globo, 30/06/12). Aqui uma referência já observada acima sobre a capacidade dos pentecostais em geral, e da Assembleia em particular, de acompanhar a capilaridade da geografia social e a mobilidade e o trânsito de populações para lugares mais recônditos e inalcançáveis do país, através de organismos ágeis, múltiplos e funcionais. Pois, como afirmou em entrevista o midiático Pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus “Vitória em Cristo, existem “mais de 100 vertentes de Assembleias no país”. E, citando o exemplo de uma localidade periférica da cidade do Rio de Janeiro, a Vila Cruzeiro, na zona norte, disse existir mais de 65 igrejas da Assembleia entranhadas nas estreitas ruelas do local, ao passo que apenas uma Universal na avenida principal (O Globo, 30/06/12).

A Assembleia de Deus – aliás, seria melhor chamá-la de Assembleias de Deus no plural – é um “patrimônio fragmentado, sem dono de marca”, como aponta Edin Abumanssur, ou uma “marca de fantasia” que “agrega muitas denominações que usam esse nome como se fosse de domínio público” como afirma Paulo Ayres (O Globo, 30/06/12; IHU On-Line, 17/08/12).

Esta condição de pluralismo interno assembleiano, que por sua vez já acompanha o pluralismo interno pentecostal e o pluralismo interno evangélico, articulando diversidade, competição e pertença, talvez explique a razão de seu crescimento

Talvez seja possível dizer que o “campo pentecostal assembleiano” cresce porque sintomatiza e expressa essa nova tendência do crescimento evangélico no país: múltiplas opções para a pertença, experimentação e competição.

As grandes dificuldades socioeconômicas com sua fixação nos territórios urbanos ou nos das fronteiras não levam, como muitas teses preconizam, à religião, mas ao indiferentismo da prática religiosa. Aquilo que Bauman chamou da “autossuficiência humana”, quando a dinâmica da Modernidade rejeita qualquer tipo de inquietação sobre a existência e a morte premida pelos “problemas” “sobre os quais se pode fazer algo”, “concentrando-se em tarefas que os seres humanos podem executar e cujas consequências podem experimentar” (1998: 212-213).

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