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19.6.17

MARIANO, Ricardo. Sociologia do crescimento pentecostal no Brasil: um balanço. Perspectiva Teológica, v. 43, n. 119, p. 11, 2011

SOCIOLOGIA  DO CRESCIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL: UM BALANÇO

Os sociólogos Christian Lalive d'Epinay2 e Emilio Willems partilhavam a tese de que os intensos processos de mudanças sociais, culturais e econômicas ocorridos a partir da década de 1930, representados pela rápida industrialização, urbanização e migração de grandes contingentes rurais para as cidades, provocaram uma situação de anomia em parte dos migrantes e dos estratos pobres, tidos como ineptos culturalmente diante dos desafios da vida numa sociedade urbana em vertiginosa transformação sociocultural. Por isso, migrantes e parte dos pobres tinham necessidade de reconstruir um sistema significativo de relações primárias para ajustar-se à vida urbana. O pentecostalismo aparece, nessas análises, como resposta à anomia, por recriar modalidades de contato primário preexistentes na sociedade tradicional, firmar laços de solidariedade entre os irmãos de fé, incentivar o auxílio mútuo nos planos material e espiritual, promover a participação do fiel nos cultos, reorientar sua conduta, seus valores e sua visão do mundo conforme os estritos preceitos bíblicos pregados por sua comunidade sectária, que são, segundo Willems, Camargo e Souza, funcionais em relação às normas de ação da sociedade capitalista emergente. Eles interpretaram o fluxo migratório e a rápida modernização como processos que favoreceram o êxito da prédica pentecostal. Apresento, a seguir, as perspectivas desses pesquisadores sobre a relação entre as mudanças socioculturais, a modernização econômica e a expansão pentecostal.

Em Followers of the new faith: culture change and the rise of protestantism in Brazil and Chile, o sociólogo alemão Emilio Willems afirma que a rápida expansão das seitas pentecostais, a seu ver, se deve, fundamentalmente, à sua capacidade de suprir certas necessidades e aspirações de indivíduos desfavorecidos e desenraizados dos tradicionais modos de vida rural e de adaptá-los às mudanças socioculturais, mediante o fornecimento de novas comunidades, disciplina, valores adequados à vida nos centros urbanos, segurança psicológica e econômica, afinidade emocional, nova identidade social.

Em O refúgio das massas, o sociólogo suíço Lalive d'Epinay afirma que “o pentecostalismo apresenta-se como resposta religiosa comunitária ao abandono de grandes camadas da população, abandono provocado pelo caráter anômico de uma sociedade em transição” da economia agrária, baseada na monocultura de exportação, para uma sociedade urbana e industrial10. A religião pentecostal, a seu ver, reconstrói a sociedade senhorial para as camadas pobres que vivem em estado de anomia e em condição marginal nas cidades

Beatriz Muniz de Souza, em A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo avalia que o pentecostalismo ajusta os indivíduos à sociedade moderna, por substituir suas relações de contato primário presentes na sociedade tradicional, libertá-los da anomia, atribuir sentido sacral aos eventos do cotidiano e confortá-los em face das frustrações causadas por doenças e dificuldades de relacionamento social21. Souza destaca a função terapêutica, centrada nos ritos de cura divina, e a moral puritana (que prescreve ao crente como agir e se relacionar na sociedade) como fatores responsáveis pela expansão pentecostal.

Para a perspectiva funcionalista, os problemas sociais causados pela modernização econômica e pelas transformações socioculturais favorecem e estimulam a expansão das igrejas pentecostais. Estas constituem, sobretudo, “respostas”, atuando basicamente como mecanismos de integração dos contingentes populacionais vitimados por tais processos macroestruturais. Em suma, a modernização da sociedade cria determinadas demandas sociais (de sentido, de identidade, de segurança psicológica e emocional...), que são supridas pelo pentecostalismo e que facilitam sua prédica e impulsionam seu crescimento. Tal perspectiva prioriza, assim, um tipo de explicação que trata a expansão pentecostal como variável dependente, como estando a reboque de fenômenos exteriores. Apesar disso, cabe observar, não se furta a complementar-se com explicações baseadas em fatores internos ao campo religioso, ao discorrer, por exemplo, sobre o êxito pentecostal por meio de sua acolhida comunitária, de suas funções terapêutica e “nomizadora”, de seu proselitismo, de sua capacidade comunicacional, de sua flexibilidade organizacional etc.

Críticas à explicação funcionalista Críticas à explicação funcionalista Críticas à explicação funcionalista Críticas à explicação funcionalista Críticas à explicação funcionalista

Nos anos 70, pesquisadores passam a criticar a perspectiva funcionalista e a teoria da modernização presentes na interpretação sociológica sobre o pentecostalismo até então.

Rubem Alves conclui que as seitas pentecostais “são mecanismos ideológicos de dominação”, “empresas de cura divina” administradas “segundo normas empresariais da organização capitalista”36.

Em Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa, Francisco Cartaxo Rolim41, escudado numa perspectiva marxista e crítico do funcionalismo, defende que o pentecostalismo constitui “resposta” aos interesses de classe das “camadas pobres”. A filiação das massas pobres ao pentecostalismo resulta de sua exclusão social produzida pelo capitalis-mo42. Rolim compartilha com os funcionalistas, portanto, a ideia de que a expansão pentecostal é favorecida por contextos socioeconômicos que acarretam marginalidade social e econômica.

Modernização e pentecostalismo

Tongues of fire: The explosion of protestantism in Latin America, de David Martin, exerceu forte influência nas pesquisas sobre o movimento pentecostal.

Martin retoma o argumento central de Willems e d'Epinay, afirmando que o pentecostalismo arrebanha, sobretudo, os estratos sociais deslocados do campo e desorientados nas grandes cidades – largados à própria sorte no “mundo anômico da favela” – em função do advento do capitalismo48. Destaca como fatores cruciais para a expansão evangélica a capacidade das igrejas locais de comprometer os leigos com o trabalho proselitista e a habilidade de comunicação de seus pastores.

O pentecostalismo desenvolve, em sua opinião, habilidades de expressão, oratória, organização, comunicação e liderança, estimula a participação, a iniciativa pessoal, o voluntarismo, cria estruturas terapêuticas, instituições educacionais e de lazer, inculca disciplina, ética do trabalho, sobriedade, pontualidade, honestidade, parcimônia, rejeita o álcool, o machismo e a promiscuidade masculina, promove a autoestima, o sentido de valor pessoal, constrói redes protetoras de apoio mútuo. Martin reedita, portanto, a tese weberiana que associa expansão protestante e modernidade, com a primeira reforçando o avanço da última, ao promover valores, habilidades e virtudes individuais consentâneos ao fortalecimento da democracia e da racionalidade econômica capitalista, agora na América Latina.

Cecília Mariz, em Coping with poverty: pentecostals and christian base communities in Brazil, enfatiza, corretamente, que o pentecostalismo ajuda os fiéis a lidar com a pobreza. 

Pierucci e Prandi afirmam que os pentecostais buscam lideranças e instituições religiosas que os ajudem a organizar a própria vida, incapazes que são de fazê-lo por conta própria em razão de sua baixa renda e escolaridade. Ronaldo de Almeida56, da mesma forma, mostra a importância do associativismo religioso para as camadas mais pobres da população, destacando o papel que as igrejas pentecostais desempenham na formação de redes comunitárias de solidariedade e sociabilidade e na atenuação da vulnerabilidade social.

Não há dúvida de que o pentecostalismo cresce na pobreza ou na base da pirâmide socioeconômica. Contudo, cabe fazer um parêntese para enfatizar que a pobreza e a privação social não explicam a expansão pentecostal. Elas não criam nem expandem a necessidade de as pessoas aderirem especificamente ao pentecostalismo. Este não pode ser interpretado como mera “resposta” a fenômenos socioculturais, econômicos etc. Para compreender por que o pentecostalismo cresce mais entre os estratos pobres e socialmente mais vulneráveis da população do que as religiões concorrentes, cumpre investigar, entre outras coisas, como ele se organiza para convertê-los, o que lhes promete e oferece, como se vincula a seus interesses materiais e a suas visões de mundo, que estratégias emprega para atraí-los, recrutá-los, mobilizá-los e cativá-los57. Em suma, cabe investigar por que esse movimento religioso é mais eficiente que seus concorrentes no recrutamento dos estratos pobres.

A ênfase analítica na oferta religiosa

Na última década, a teoria da escolha racional da religião, cuja formação ocorre em meados dos anos 80 nos Estados Unidos, tornou-se importante chave heurística e analítica para a investigação da dinâmica do campo religioso e do crescimento institucional de grupos religiosos.

Ferrenhos oponentes da teoria da secularização, invertem, assim, a clássica tese de Peter Berger, segundo a qual o pluralismo religioso enfraquece a religião, seculariza a sociedade, gera ceticismo e descrença, relativiza os discursos religiosos concorrentes, reduz sua plausibilidade, tornando-os privados e subjetivos.

Em contraste com a posição de Berger, Stark e Iannaccone85 defendem que “a participação religiosa é mais alta onde um número proporcionalmente maior de empresas religiosas competem”.

Num contexto de liberdade e de pluralismo religiosos, os diferentes grupos religiosos se veem mais ou menos compelidos a disputar mercado para sobreviver e crescer diante da concorrência, acirrando a competição, estimulando e reforçando seu ativismo e a eficiência proselitista de seus dirigentes e leigos, diversificando e ampliando o volume da oferta de bens e serviços religiosos e ajustando-a a diferentes públicos e clientelas, criando novos nichos de mercado etc. Propiciados pela desregulação estatal da religião, liberdade e pluralismo tendem a ampliar, assim, a concorrência religiosa, o dinamismo religioso, a mobilização e participação religiosa da população.

A ênfase na oferta religiosa tem como mérito, também, permitir focar a investigação no que as igrejas pentecostais fazem efetivamente para crescer – considerando-se o contexto de regulação estatal da religião e os constrangimentos singulares propiciados pela liberdade dos agentes religiosos, pelo pluralismo e pelo mercado religioso –, visando compreender por que muitas crescem pouco, por que algumas decrescem e perecem e por que outras granjeiam extraordinárias taxas de crescimento de membros, congregações, templos, além de visibilidade pública, emissoras de rádio e TV, representantes parlamentares etc. Assim, a pesquisa pode se concentrar em verificar o que elas fazem – e se e como e por que o fazem – para enfrentar a concorrência, evangelizar, melhorar a eficácia proselitista em certos nichos de mercado, formar pastores e dilatar seu número, abrir novas frentes de missão e evangelização, aumentar o compromisso religioso dos adeptos, ajustar o discurso e os ritos religiosos a interesses e demandas dos leigos, ampliar e diversificar a oferta de bens e serviços mágico-religiosos, estender a captação de recursos, empregar técnicas publicitárias, estratégias de marketing e métodos modernos de gestão e organização.

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