PREFÁCIO À EDIÇÃO
INGLESA
Norbert
Elias foi um dos cientistas alemães que fugiu dá Alemanha nos anos 30, fazendo
da Inglaterra o seu lar.
What
is Sociology? foi publicado pela primeira vez em 1970, produto tardio da
carreira do seu' autor.
Numa
breve introdução, ilusoriamente superficial, o leitor descobrirá uma nova
justificação da sociologia, recorrendo-se às ideias básicas primeiramente
traçadas por Augusto Comte. Posteriormente, Elias irá retomar categorias
básicas do pensamento sociológico, continuando assim a «tradição sociológica»
embora tomando uma posição crítica relativamente a contributos maiores tais
como os de Marx, Weber e Parsons.
O
leitor aperceber-se-á de que Introdução à Sociologia se baseia num trabalho
científico, que reúne simultaneamente aspectos de história política, de
psicologia das profundezas e de sociologia, numa síntese original de considerável
vigor.
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INTRODUÇÃO
Aquele
que estuda e pensa a sociedade é ele próprio um dos seus membros.
A
sociedade que é muitas vezes colocada em oposição ao indivíduo, é inteiramente
formada por indivíduos, sendo nós próprios um ser entre os outros.
Ao
pensarmo-nos na sociedade contemporânea, é difícil fugir ao sentimento de
estarmos a encarar seres humanos como se fossem meros objectos, separados de
nós por um fosso intransponível. Este sentido de separação é expresso,
reproduzido e reforçado pôr conceitos e idiomas correntes que fazem com que
este actual tipo de experiência surja como evidente e incontestável.
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Tal
como já foi dito, para compreender de quê trata a sociologia temos que estar
conscientes de nós próprios como seres humanos entre outros seres humanos.
A
maneira corrente de formarmos ás palavras e os conceitos reforça a tendência do
nosso pensamento para reificar e desumanizar as estruturas sociais.
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Não
é difícil compreender que o que pretendemos conceptualizar como forças sociais
são de facto forças exercidas pelas pessoas, sobre outras pessoas e sobre elas
próprias.
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É
muito comum esta necessidade de nos excluirmos <ou de excluirmos o nosso
grupo) de uma explicação em termos de representações formadas com base noutras
pessoas.
Muitas
palavras e conceitos cujas formas actuais derivam essencialmente da
interpretação de factos naturais, foram transferidos indevidamente para a
interpretação dos fenômenos humanos e sociais.
As
tarefas da sociologia incluem não só o exame e interpretação de forças
compulsivas específicas que agem sobre as pessoas nos seus grupos e sociedades
empiricamente observáveis, mas também a libertação do discurso e do pensamento
relativos a essas forças, das suas ligações com modelos heterónomos anteriores.
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Muitos
dos conceitos fundamentais das ciências da natureza, que gradualmente se foram
desenvolvendo, foram provando ser mais ou menos adequados à observação e
manipulação de processos físico-químicos. Por esta razão, estes conceitos
fundamentais surgem àqueles que os herdam como se fossem eternamente válidos e
consequentemente eternos. As correspondentes palavras, categorias e modos de
pensamento parecem tão evidentes, que é fácil imaginar que cada ser humano os
conheceu intuitivamente.
A
concepção filosófica de um conhecimento científico estático, considerado como
forma de conhecimento «eternamente humana», impediu quase completamente
qualquer investigação sobre a sociogénese e a psicogénese do vocabulário
científico e sobre modos de discurso ou de pensamento. No entanto, só investigações
deste tipo nos colocarão no caminho certo, que nos Permite explicar esta
reorientação da experiência e do Pensamento humanos.
O
problema é geralmente minimizado mesmo antes de ser colocado pois é visto como
«Um assunto meramente histórico», oposto aos chamados Problemas de teoria
sistemática. Mas esta distinção constitui em si mesma uma ilustração de como é
inadequada a utilização de modelos vindos das ciências naturais na interpretação
de processos sociais a longo prazo, em que se inclui a «cientifização» do
pensamento.
Mesmo
tendo presente que as forças sociais são forças exercidas por pessoas sobre si
mesmas e sobre os outros, é ainda muito difícil quando falamos e pensamos,
precavermo-nos contra a pressão social das estruturas verbais e conceptuais.
Estas fazem com que as forças sociais pareçam forças exercidas sobre os
objectos da natureza — forças exteriores às pessoas, exercidas sobre elas como
se fossem «objectos».
Demasiadas
vezes falamos e pensamos como se não só as montanhas, nuvens e tempestades, mas
também as aldeias e estados, a economia e a política, os factores de produção e
o avanço técnico, as ciências e a indústria, entre inúmeras outras estruturas
sociais, fossem entidades extra-humanas, com as suas leis próprias e, por
conseguinte, totalmente independentes da acção ou da inacção humanas.
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A
discussão da dificuldade e morosidade de uma tal reorientação da linguagem
social e do pensamento podia dar-nos já uma ideia do tipo de forças que as
pessoas exercem umas sobre as outras.
Seria
mais fácil compreender que tais forças são totalmente distintas, se a nossa
linguagem e pensamento não estivessem tão totalmente penetrados por palavras e
conceitos tais como «necessidade causai», «determinismo», «leis científicas» e
outras do mesmo tipo. Estes denotam modelos derivados de uma experiência
prática no campo das ciências naturais, da física e da química. Foram mais
tarde transferidos para outros campos de experimentação, para os quais
não" tinham sido de modo algum primeiramente destinados, como por exemplo
o campo das relações humanas, a que chamamos sociedade. Neste processo perdeu-se
a consciência da sua relação original com as descobertas relativas a
acontecimentos físico-químicos. Assim, apresentam-se-nos agora como conceitos
gerais, que, de certo modo, surgem como concepções a priori do modo como os
acontecimentos se interligam; todos os homens parecem possuí-los como fazendo
parte de um senso comum ou de uma razão inatos, independentes da experiência.
Tomemos
por exemplo a noção de «força». A nossa utilização da linguagem vulgar, com que
comunicamos uns com os outros, exerce uma espécie de força sobre o discurso e o
pensamento dos indivíduos. Este gênero de força é de tipo muito diferente por
exemplo da força da gravidade que, de acordo com as leis científicas, atrai uma
bola para a terra quando esta é lançada ao ar. No entanto, quais são hoje os
conceitos distintos e específicos que conseguem exprimir esta diferença de um
modo claro e inteligível?
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Especial
atenção para a diminuição dos elementos fantasiosos e para o aumento dos
elementos realistas do nosso pensamento, como sendo características da cientifização
dos nossos modos de pensamento e de aquisição de conhecimentos.
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Censurando
os cientistas, também fugimos à obrigação de procurar uma explicação mais
realista para os conflitos sociais, que levam a uma troca crescente de ameaças
entre grupos de pessoas. A queixa de que nos tornamos «escravos da máquina» ou
da tecnologia, é semelhante. Apesar dos pesadelos da ficção científica, as
máquinas não têm uma vontade própria. Não podem por si mesmas inventar ou
produzir e não podem obrigar-nos a que as sirvamos. Todas as decisões que tomam
e actividades que desempenham são decisões e actividades humanas. Projectamos
nelas ameaças e coerções mas, se as examinarmos mais atentamente, veremos
sempre grupos de
pessoas
ameaçando-se e coagindo-se mutuamente por intermédio das máquinas.
Quando
nas sociedades científico-técnico-industriais atribuímos o nosso mal-estar às
bombas ou às máquinas, aos cientistas ou aos engenheiros, estamos a fugir à
difícil e talvez desagradável tarefa de procurar uma interpretação mais clara e
mais realista da estrutura das conexões humanas, particularmente dos padrões de
conflito que nelas se fundamentam.
O
desenvolvimento tecnológico tem uma influência real no curso que tomam as
interconexões humanas.
Mas
a realidade tecnológica «em si mesma» nunca pode ser a causa da vida atribulada
das pessoas e das forças compulsivas; estas são sempre provocadas pela
utilização que fazemos da técnica e do seu ajustamento à estrutura social.
É
preocupação fundamental desta obra promover a evolução de um pensamento e de
uma imaginação sociais relativamente à percepção das interconexões e
configurações elaboradas pelas pessoas.
O
perigo não reside no progresso da ciência e da tecnologia, mas no modo como são
usadas as descobertas científicas e as investigações tecnológicas sob pressão
da sua estreita interdependência, reside nas lutas comuns pelas oportunidades
de distribuição de toda a espécie de poder.
A
fixação mental em fenômenos familiares e tangíveis como bombas nucleares e
máquinas, ou, num sentido mais lato, na ciência e na tecnologia, obscurecendo
as causas sociais de medo e de mal estar, é sintoma de uma das características
fundamentais da nossa época: esta reside na discrepância entre, por um lado, a
nossa capacidade relativamente grande de ultrapassarmos — de um modo adequado e
realista — problemas causados por acontecimentos naturais extra-humanos, e, por
outro, a nossa limitada capacidade de resolver com a mesma segurança os
problemas de coexistência humana.
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Na
medida em que toda a nossa vida, mesmo nos seus aspectos mais íntimos, foi
invadida pela técnica, estes princípios governam todos os nossos pensamentos e ações.
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Os
nossos pensamentos e ações, no que diz respeito à coexistência social, estão
quase no mesmo nível de desenvolvimento que o pensamento e comportamento dos
medievais
Em
assuntos sociais, ainda hoje as pessoas estão sujeitas a pressões e ansiedades
que não conseguem compreender. Como não conseguem viver na angústia, sem que
para tal tenham uma explicação, preenchem os lapsos de compreensão com
fantasias.
No
nosso tempo, o mito Nacional Socialista foi um exemplo deste tipo de
interpretação para a inquietação e angústia sociais.
Tal
como no caso da peste, a ansiedade e inquietação sobre as misérias sociais
encontraram saída em explicações fantasiosas, que consideravam as minorias
socialmente fracas como agitadoras e culpadas, levando consequentemente ao seu
extermínio. Constatamos que é característica do nosso tempo a coexistência de
uma compreensão factual altamente realista, no que respeita a aspectos físicos
e técnicos, e de soluções fantasiosas dadas aos problemas sociais
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A
elevada capacidade que o homem tem de fantasiar é sua característica exclusiva.
Quando
não controlado pelo conhecimento dos factos, este tipo de fantasia,
especialmente numa ocasião de crise, coloca-se entre os impulsos mais falíveis
e mesmo mais assassinos que governam a acção humana. Nestas situações, as
pessoas não precisam de ser loucas para dar livre curso a estes impulsos.
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Como
exemplo, consideramos a situação de conflito entre as grandes potências. Esta
persiste desde a Segunda Guerra Mundial, tendo influenciado e obscurecido de um
modo sempre crescente os conflitos entre estados em todo o mundo.
Este
antagonismo, que hoje assume uma dimensão mundial, assemelha-se
consideravelmente na sua estrutura ao antagonismo existente numa antiga Europa,
em que os sonhos de príncipes e generais protestantes e católicos se chocavam.
Nesses tempos, as pessoas eram tão apaixonadamente ávidas de matar-se
indiscriminadamente umas às outras, devido aos seus sistemas de crenças, como
hoje parecem desejosas de matar indiscriminadamente, pela simples razão de que
alguns preferem o sistema de crenças dos russos, outros o dos americanos e
outros o dos chineses.
É
raro encontrarmos um modelo sociológico inteligível da dinâmica das relações
entre os estados. Tomemos, por exemplo, a dinâmica da «guerra fria» entre as
grandes potências. Ambas 48 partes envolvidas procuram aumentar o potencial do
Seu próprio poder, à custa do medo perante o potencial de poder do adversário.
Assim se justificam os seus receios recíprocos.
Contudo,
há muita gente que hoje acredita ser possível uma abordagem dos problemas
sociais do ponto de vista da sua própria «racionalidade» intrínseca,
independentemente do actual estádio de desenvolvimento do conhecimento e
pensamento sociológicos e, no entanto, com a mesma «abordagem objectiva» que um
físico ou um engenheiro trazem aos problemas científicos ou tecnológicos.
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Quanto
à máquina governativa, à burocracia, talvez não seja deslocado dizer, como Max
Weber, que a estrutura das burocracias e as atitudes dos burocratas se tornaram
mais racionais se as compararmos com as dos séculos anteriores; mas será pouco
correcto pretendermos, como Max Weber na realidade pretendeu, que a burocracia
contemporânea é uma forma racional de organização e que o comportamento dos
seus funcionários é um comportamento racional. Isto é altamente enganador.
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MODELOS DE JOGO
Não
será então necessário que os sociólogos confiem primeiramente nas descobertas
de todas as outras disciplinas, que, como a biologia, a psicologia ou a história,
estudam os seres humanos individuais — as partes constituintes das sociedades —
e depois vejam se, como sociólogos, têm algo a acrescentar a estas descobertas?
Há
um número considerável de sociólogos que procedem deste modo. Investigam o
comportamento, as perspectivas e as experiências das pessoas individuais e
submetem os seus resultados a processos estatísticos. Por meio deste tipo de
investigações, centradas nas «partes componentes» das sociedades, procuram
tornar evidentes as características das «unidades compósitas» das Próprias
sociedades.
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Torna-se
necessário não só explorar uma unidade compósita em termos das suas partes
componentes, como também explorar o modo como esses componentes individuais se
ligam uns aos outros, de modo a formarem uma unidade. O estudo da configuração'
das partes unitárias ou, por outras palavras, a estrutura da unidade composta,
torna-se um estudo de direito próprio.
Esta
é a razão pela qual a sociologia não se pode reduzir à psicologia, à biologia
ou à física: o seu campo de estudo — as configurações de seres humanos
interdependentes — não se pode explicar se estudarmos os seres humanos isoladamente
2.
Em
muitos casos é aconselhável um procedimento contrário — só podemos compreender
muitos aspectos do comportamento ou das ações das pessoas individuais se
começarmos pelo estudo do tipo da sua interdependência, da estrutura das suas
sociedades, em resumo, das configurações que formam uns com os outros.
O
primeiro modelo, a que chamaremos «Competição Primária», é no entanto uma
excepção teórica altamente significativa; representa uma competição real e
mortal entre dois grupos e não é de modo algum um jogo.
Todos
os modelos se baseiam em duas ou mais pessoas que medem as suas forças.
Para
muita gente, o termo «poder» tem um aroma desagradável. Isto se deve ao facto
de, durante todo o processo de desenvolvimento das sociedades humanas, o
equilíbrio de poder ter sido extremamente desigual; pessoas ou grupos de
pessoas com possibilidades relativamente grandes de acesso ao poder, exerciam
habitualmente essas possibilidades em pleno, muitas vezes de um modo brutal e
sem escrúpulos, tendo em vista os seus próprios fins.
O
equilíbrio de poder não se encontra unicamente na grande arena das relações
entre os estados, onde é freqüentemente espectacular, atraindo grande atenção.
Constitui um elemento integral de todas as relações humanas.
Também
deveríamos ter presente que o equilíbrio de poder, tal como de um modo geral as
relações humanas, é pelo menos bipolar e, usualmente, multipolar.
Desde
que nasce, a criança tem poder sobre os pais, e não só os pais sobre a criança.
Igualmente
bipolar é o equilíbrio de poder entre um escravo e o seu senhor. O senhor tem
poder sobre o escravo, mas o escravo também tem poder sobre o seu senhor, na
proporção da função que desempenha para o senhor — é a dependência que o senhor
tem relativamente a ele.
Porém,
sejam grandes ou pequenas as diferenças de poder, o equilíbrio de poder está
sempre presente onde quer que haja uma interdependência funcional entre
pessoas.
O
poder não é um amuleto que um indivíduo possua e outro não; é uma
característica estrutural das relações humanas — de todas as relações humanas.
Os
modelos demonstram de um modo simplificado o caracter relacionai do poder. Ao
utilizarmos os modelos de jogos de competição para tornar evidentes as configurações
de poder, o conceito de «relação de poder» é aqui substituído pelo termo «força
relativa dos jogadores».
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Os
modelos de jogo têm como preâmbulo a Competição Primária, um modelo que mostra
a relação entre dois grupos não regulados por normas.
A
Competição Primária pode servir como advertência de que é perfeitamente
possível estruturar as relações sociais entre os indivíduos, mesmo que estas se
desenrolem sem regras. Mesmo uma situação que aparece às pessoas nela
envolvidas como o cúmulo da desordem faz parte de uma ordem social.
Entre
os homens, tal como na natureza, não é possível o caos absoluto.
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A COMPETIÇÃO
PRIMARIA: UM MODELO DE COMPETIÇÃO SEM REGRAS
Duas
pequenas tribos, A e B, encontram-se quando andam à caça numa grande extensão
de floresta. Ambas têm fome.
A
caça tem-se tornado cada vez mais rara
Assim,
os dois grupos encontram-se no caminho. Envolvem-se numa luta prolongada.
Os
dois grupos são rivais na recolha de reservas alimentares. Dependem um do outro,
como num jogo de xadrez (que originariamente foi um Jogo guerreiro), os
movimentos de um grupo determinam os movimentos do outro grupo e vice-versa.
As
estruturas internas de cada grupo são determinadas, em maior ou menor grau,
pelo que cada grupo pensa que o outro irá fazer depois.
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Não
é possível explicar as ações, os planos e os objectivos de qualquer um dos dois
grupos se eles forem conceptualizados como decisões, planos e objectivos comuns
a cada grupo, considerado por si mesmo, independentemente do outro grupo. Só se
podem explicar se tomarmos em consideração as forças coercivas que os grupos
exercem um sobre o outro, devido à sua interdependência, à função bilateral que
desempenham como inimigos.
Como
inimigos, desempenham reciprocamente uma função, da qual temos de estar
conscientes se queremos compreender as ações e planos de cada uma das duas
tribos rivais. Aqui, como podemos ver, o termo «função» não é usado como
expressão de uma tarefa desempenhada por uma parte, dentro de uma «totalidade»
harmoniosa. O modelo indica-nos que, tal como o conceito de poder, o conceito
de função deve ser compreendido como um conceito de relação. Só podemos falar
de funções sociais quando nos referimos a interdependências que constrangem as
pessoas, com maior ou menor amplitude.
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De
um modo mais simples, poderíamos dizer: quando a alguém (ou a um grupo de
pessoas) falta algo que outro alguém ou grupo de pessoas possui, o último
desempenha uma função relativamente ao primeiro. Assim, os homens têm uma
função para com as mulheres e as mulheres para com os homens, os pais para com
os filhos e os filhos para com os pais.
Compreender
deste modo o conceito de «função» demonstra a sua relação com o poder dentro do
quadro das relações humanas.
O
seu potencial de retenção recíproca daquilo que necessitam é geralmente
desigual, o que significa que o poder coercivo é maior de um lado do que do
outro. Mudanças na estrutura das sociedades, nas relações globais de interdependências
funcionais, podem induzir um grupo a contestar o poder de coerção do outro
grupo, o seu «potencial» de retenção.
Na
raiz desta provas de força estão geralmente problemas como estes: quem tem
maior potencial de reter aquilo de que o outro necessita? Quem, por conseqüência,
está mais ou menos dependente do outro?
Quem,
portanto, tem que se submeter ou adaptar mais às exigências do outro?
A
Competição Primária apresenta-se como um caso de fronteira. Nela, um dos lados
tem como fim privar o outro, não só das suas funções sociais como também da sua
própria vida.
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Este
caso de interdependência entre inimigos violentos encerrados, numa luta de vida
e de morte, é um processo de interpenetração. A seqüência de movimentos em
ambos os lados só pode ser compreendida e explicada em termos da dinâmica
imanente na sua interdependência. Se a seqüência das ações em ambos os lados
fosse estudada isoladamente, perderia todo o sentido.
MODELOS DE JOGO:
MODELOS DE PROCESSOS DE INTERPENETRAÇÃO COM NORMAS
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Jogos
de duas pessoas
Imaginemos
um jogo entre duas pessoas, sendo uma delas muito superior à outra — A é um
jogador muito forte e B é muito fraco. Neste caso, A tem uma grande capacidade
de controlo sobre B. Até certo ponto, A pode forçar B a fazer determinadas
jogadas. Por outras palavras, A tem «poder» sobre B.
Mas
esta «capacidade de obrigar» não é ilimitada; o jogador B, embora seja
relativamente fraco, tem um grau de poder sobre A
A
tem de se orientar atendendo às jogadas anteriores de B.
Contudo,
a grande força de A no jogo não lhe dá apenas um grau de controlo sobre o seu
adversário B.
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Também
lhe dá, em acréscimo, um alto grau de controlo sobre o jogo enquanto tal.
Embora
o seu controlo sobre o jogo não seja absoluto, pode em grande parte determinar
o seu curso (o processamento do jogo) e, portanto, também o seu resultado.
É
importante fazer esta distinção conceptual entre dois tipos de controlo, que
resultam da força bastante superior de um dos jogadores; por um lado, o
controlo que ele pode exercer sobre o seu adversário e, por outro, o controlo
que como tal lhe é dado sobre p decurso do jogo.
À
medida que a desigualdade de forças dos dois jogadores diminui, resultará da
interpenetração de jogadas de duas Pessoas individuais, um processo de jogo que
nenhuma delas planeou.
Jogos
de muitas pessoas a um só nível
(2a)
Imaginemos um jogo em que o jogador A está simultaneamente a jogar com vários
outros indivíduos B,
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C,
D, etc. nas seguintes condições: A é muito mais forte do que qualquer um dos
seus adversários e está a jogar separadamente com cada um deles.
Os
jogadores B, C, D, etc., não estão a jogar em conjunto mas separadamente, e a
única ligação que têm entre si ó o facto de cada indivíduo jogar separadamente
contra o mesmo adversário mais forte, A.
Em
cada um dos jogos, A é esmagadoramente mais poderoso; tem um alto grau de
controlo, tanto sobre o seu adversário como sobre o decurso do próprio jogo.
(2b)
Imaginemos um jogo em que o jogador A joga simultaneamente com vários
adversários mais fracos, não separadamente, mas contra todos eles ao mesmo
tempo.
O
facto de um grupo ser inequivocamente formado por muitos jogadores mais fracos
representa um enfraquecimento para a superioridade de A.
Comparando
com (Ia) há muito menos certeza sobre o controle e planeamento do jogo e, portanto,
menos certeza na previsão do seu resultado.
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(2d)
Imaginemos um jogo em que dois grupos B, C, D, E e U, V, W, X jogam uns contra
os outros, segundo regras que dão a ambos os lados oportunidades iguais de
vencer, tendo cada lado aproximadamente a mesma força.
Neste
caso o decurso do jogo não pode ser controlado isoladamente por nenhum dos
grupos.
Nenhuma
acção por parte de cada um dos lados poderá ser encarada como acção exclusiva
desse lado. Antes deverá ser interpretada como continuando o processo de
interpenetração e fazendo parte da futura interpenetração de ações realizada
por ambos os lados.
Jogos multipessoais a
vários níveis
Imaginemos
um jogo para muitas pessoas, em que o número de participantes está
constantemente a crescer.
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Um
jogador individual terá que esperar cada vez mais pela sua vez de jogar. Tornar-se-á
cada vez mais difícil ao jogador a constituição de uma representação mental do
decurso do jogo e da sua figuração.
Faltando-lhe
tal representação pode sentir-se perdido. Precisa de uma representação
razoavelmente clara do decurso do jogo para poder planear a sua próxima jogada.
Se
o número de jogadores interdependentes crescer, a configuração, desenvolvimento
e orientação do jogo tornar-se-ão cada vez mais opacas para o jogador
individual.
Porém,
à medida que cresce o número de jogadores, o jogador individual não só começa a
achar o jogo cada vez mais opaco e incontrolável como também se torna
consciente da sua impossibilidade em compreendê-lo e controlá-lo.
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E,
ao deteriorar-se o funcionamento", há uma pressão crescente que se exerce
no grupo de jogadores com vista à sua reorganização. Abrem-se várias
possibilidades; mencionaremos três, embora só nos seja possível abordar detalhadamente
uma delas.
Modelos de jogo de
dois níveis: tipo oligárquico
(3a)
A pressão exercida sobre os jogadores individuais, devido a um aumento do seu
número, pode provocar uma mudança dentro do grupo. Um grupo em que os indivíduos
jogam com os outros a um mesmo nível, pode converter-se num grupo de jogadores
de «dois níveis». Todos os jogadores se mantêm interdependentes mas já não
jogam directamente uns com os outros. Esta função é desempenhada por
funcionários especiais que coordenam o jogo — representantes, delegados,
líderes, governos, cortes regias, elites monopolistas e assim por diante.
Conjuntamente, formam um segundo grupo mais pequeno.
Estes
são os que jogam directamente uns com os outros e uns contra os outros, mas que
se mantêm, no entanto, ligados de um ou de outro modo à massa de jogadores que
agora constituem uma «primeira camada».
Cada
um dos níveis é mutuamente dependente possuindo reciprocamente diferentes
oportunidades de poder
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Mas
a distribuição de poder entre os indivíduos do primeiro e do segundo níveis
pode variar muitíssimo. As diferenças de poder entre eles podem ser muito
grandes — em favor dos últimos — e podem tornar-se cada vez mais pequenas.
Consideremos o primeiro caso. A diferença entre o primeiro e o segundo nível é
muito grande. Só os jogadores do segundo nível participam directa e activamente
no jogo. Têm o monopólio de acesso ao jogo: cada um dos jogadores do segundo
nível encontra-se num círculo de actividade, que já pode ser observado em jogos
de um só nível. Há um pequeno número de jogadores de modo que cada um está em
posição de ter uma visão da configuração dos jogadores e do jogo; pode planear
a sua estratégia de acordo com esta visão e pode intervir directamente em cada
jogada na configuração do jogo que está em constante movimento.
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Mesmo
num jogo que não tenha mais do que dois níveis, a configuração do jogo e dos
jogadores já possui um grau de complexidade que o impede qualquer indivíduo de
usar a sua superioridade orientando o jogo na direcção das suas próprias metas
e desejos.
Num
jogo de dois níveis de um gênero mais antigo e oligárquico, o equilíbrio de
poder a favor do nível mais elevado é muito desproporcionado, rígido e estável.
O círculo mais pequeno de jogadores, a nível mais alto, é muito superior em
força ao círculo maior no nível mais baixo. No entanto, a interdependência dos
dois círculos impõe limitações a cada jogador, mesmo aos de nível mais alto.
é
de notar que as suas possibilidades de controlar 0 jogo são mais fracas do que
as do jogador A no modelo (Ia). Há uma razão forte para mais uma vez
acentuarmos esta diferença: nas descrições históricas.
As
ações dos jogadores em questão são muitas vezes explicadas como se fossem as
jogadas do jogador A no modelo (Ia). Mas, na verdade, as três ou quatro formas
de equilíbrio de poder, interdependentes num modelo oligárquico de dois níveis,
tornam possíveis muitas constelações que limitam consideravelmente as possibilidades
de controlo mesmo pôr parte do jogador mais forte no nível superior.
Modelos de jogo a
dois níveis: tipo democrático crescentemente simplificado
(3b)
Imaginemos um modelo de dois níveis em que a força dos jogadores de nível mais
baixo vai crescendo, lentamente mas de um modo nítido, relativamente à força
dos jogadores de nível mais alto. Se diminuírem as diferenças de poder entre os
dois grupos, reduzindo-se as suas desigualdades, então o equilíbrio de poder
tornar-se-á mais flexível e elástico.
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Também
aqui, a disposição dos jogadores que formam o nível mais baixo não tem meios
para conduzir o curso do jogo. Mas ainda tem um poder manifesto comparativamente
pequeno e nenhum controlo directo sobre o grupo de nível mais alto. Geralmente,
os jogadores de nível mais baixo apenas exercem uma influência latente e
indirecta, sendo uma das razões a sua falta de organização.
No
modelo (3a) 0 jogo compreendido no pequeno círculo de alto nível é nitidamente
o centro de todo o jogo de dois níveis, aparecendo globalmente os jogadores de
baixo nível como figuras periféricas, como meras estatísticas. Porém, no modelo
(3b), à medida que cresce a influência dos jogadores de baixo nível, o jogo
torna-se cada vez mais complexo para todos os jogadores de nível mais alto. A
estratégia de cada um, nas suas relações com os grupos de nível mais baixo que
representa, torna-se um aspecto do jogo tão importante como a sua estratégia
relativamente aos outros jogadores de nível mais alto. Agora cada jogador
individual está muito mais constrangido e limitado, refreado pelo número de
jogos simultaneamente interdependentes que tem que jogar com jogadores ou
grupos de jogadores que se tornam cada vez menos inferiores socialmente.
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À
medida que a distribuição de poderes se torna menos desigual e mais difusa,
também é mais evidente que um jogador isolado ou uma posição do grupo, pouco
podem controlar e guiar o jogo.
Torna-se
claro que o decurso do jogo — que é o produto de jogadas que se cruzam,
efectuadas por um grande número de jogadores, entre os quais há uma diferença
de poderes enfraquecida e tendendo cada vez mais a enfraquecer — por sua vez
determina a estrutura das jogadas individuais de cada jogador.
Em
vez dos jogadores acreditarem que o jogo vai tomando forma a partir das jogadas
individuais, manifestam uma tendência (que cresce lentamente) a produzir
conceitos impessoais que dominem a sua experiência do jogo. Estes conceitos
impessoais têm em conta uma certa autonomia do processamento do jogo
relativamente às intenções dos jogadores individuais. Implicam um processo
longo e laborioso, produzindo meios de pensamento transmissíveis que corresponderão
à natureza do jogo, considerando-o como algo não imediatamente controlável,
mesmo pelos próprios jogadores.
Como
o jogo não pode ser controlado pelos jogadores é facilmente concebido como uma
espécie de entidade «super-humana». Durante muito tempo é particularmente
difícil que os jogadores compreendam que a sua incapacidade de controlar o jogo
deriva da sua dependência mútua, das posições que ocupam enquanto jogadores e
das tensões e conflitos inerentes a esta teia que se entrelaça.
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