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14.12.20

CICCI, Gabriela. Cidades possíveis: espaço e gênero em escolhas de mobilidade urbana. 2019.

Resumo

Tivemos como objetivo identificar e sistematizar os critérios de escolha utilizados por habitantes de Belo Horizonte ao determinar seus percursos de mobilidade urbana, fazendo, a partir deles, uma análise quanto às diferenças entre homens, mulheres e mulheres em contextos diversos. Como metodologia foram utilizados métodos quantitativos de análise estatística descritiva da Pesquisa Origem Destino (2012), e também métodos qualitativos de entrevista e mapeamento afetivo do espaço. Concluiu-se que há desigualdades profundas de gênero nas possibilidades e nas experiências de mover-se na cidade, sendo estas constantemente atravessadas por particularidades de classe, raça e local de moradia.

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Apresentação

Esta pesquisa teve como objetivo identificar e sistematizar os critérios de escolha utilizados por habitantes de Belo Horizonte ao determinar seus percursos de mobilidade urbana, fazendo, a partir deles, uma análise quanto às diferenças entre homens, mulheres e mulheres em contextos diversos.  

A preocupação e a insistência com o tema da mobilidade urbana vêm, primeiro, em ordem cronológica, da minha experiência como mulher no mundo e nas cidades em que vivi ou por onde passei. Só depois isso se transformou e se desenvolveu em um tema de interesse acadêmico e em pergunta de pesquisa.

Texto em primeira pessoa e citando o que aprendeu com cada autor.

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Formas generificadas de mover-se acabam por refletir e manter capacidades e potencialidades diversas de acesso à cidade e a seus recursos. (CASS, 2005; KAUFMANN et al. 2004). A disparidade de renda entre homens e mulheres, por exemplo, e a distribuição desigual de equipamentos de mobilidade pela cidade faz com que aqueles que possuem mais recursos a utilizar mobilidades alternativas, privadas, enquanto constrange os que não os possuem a usar apenas as formas disponíveis, gerando desigualdades no uso do tempo e no acesso aos lugares de trabalho, lazer e consumo. (JIRÓN, 2007). É por sua capacidade de produzir e reproduzir desigualdades que nos debruçamos sobre o tema da mobilidade urbana e, mais especificamente, sobre as implicâncias de gênero em sua prática e experiência.  

O desejo e a urgência de fazer uma ciência implicada com mudanças sociais e com a construção de sociedades mais igualitárias também justificam nosso lugar nessa intercessão.

Questionar o paradigma da modernidade na Educação (Parsons, etc).

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Assim, para fazê-lo, organizamos este trabalho da seguinte forma: Primeiro faremos um apanhado das produções científicas que se debruçaram sobre mobilidade e gênero, evidenciando diferentes tendências e perspectivas de pesquisa. Em seguida, compartilharemos nossas escolhas metodológicas e o percurso feito na construção deste estudo. No terceiro capítulo, de forma breve, explicitaremos duas perspectivas fundamentais para a leitura dos resultados e de sua análise, que será feita dividida entre os critérios de tempo e espaço, no quarto e quinto capítulos, respectivamente. Por fim, as considerações finais trarão um pequeno apanhado do conteúdo discutido ao longo do trabalho, assim como algumas reflexões críticas e perspectivas para estudos futuros.

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1 MOBILIDADES GENERIFICADAS

Como entram na discussão do acesso, no entanto, as diferenças entre homens e mulheres? Há em algum grau diversidades quanto à forma e às experiências que uns e outras vivem enquanto se movimentando pelo espaço?

1.1 COMO PENSAR MOBILIDADES GENERIFICADAS?

A fim de facilitar a compreensão das interpretações utilizadas, lançaremos mão de uma estratégia de polarização das posturas conceituais, ainda que seu aparecimento no campo, naturalmente, não se dê de forma tão rígida. Trabalharemos então com os contínuos: a) Marco Funcional da Mobilidade – Paradigma das Novas Mobilidades, segundo as contribuições de Sheller e Urry (2006); b) Mobilidade Individual Autônoma – Mobilidade Relacional, segundo os aportes de Manderscheid (2014); c) Diferenças de sexo – Perspectivas Feministas segundo as considerações de Santos et al. (2016) e Matos (2008). Ao final, faremos uma consideração sobre os métodos mais utilizados e ao que eles convidam.

Criação de categorias, bem ao estilo Sociológico.

Primeiro mobilidades e depois a subdivisões: mobilidade relacional e mobilidade de gênero.

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1.1.1    Marco Funcional da Mobilidade – Paradigma das Novas Mobilidades

Explicação da virada da mobilidade em contraposição ao Marco funcional da mobilidade, paradigma anterior.

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As lentes das novas mobilidades, quando aplicadas aos espaços físico e geográfico, também buscam identificar seus aspectos processuais, novamente contra uma ideia de estaticidade. Para além de endossarem a crítica contundente que retira os lugares de uma posição de depositório de processos sociais, os pesquisadores e pesquisadoras no marco da virada os situam como nós de uma rede móvel de processos sociais – são neles atuantes e por eles modificados em um processo de relação contínuo e em constante transformação, enlaçados e sob a influência ainda de outros processos igualmente em movimento.

Não se trata apenas de uma apresentação dos conceitos do novo paradigma, mas de uma análise seguida de detalhada explicação.

Mobilidade como Método.

Trata-se também de uma proposta epistemológica para um campo científico orientado pelo movimento. Em primeira pessoa, Urry (2007 apud SILVA & LIMA, 2013, p. 7) diz estar convencido de “que pensar através de uma ‘lente' das mobilidades provê uma ciência social distinta que produz diferentes teorias, métodos, questões e soluções”.

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Mobilidade enquanto recurso: autores e respectivas abordagens

Em um campo recente e em plena construção, encontramos a compreensão da mobilidade enquanto recurso de forma similar, ainda que distinta, nos escritos de Uteng e Cresswell (2008), assim como Kaufmann et al. (2004). Os primeiros situam a mobilidade associada à concepção de capability desenvolvida por Amartya Sen (1973; 1985; 1993; 2005 apud UTENG; CRESSWELL, 2008) como uma alternativa ao modelo utilitarista de medição de desenvolvimento econômico e social.

Kauffman, Bergman e Joye (2004) também pensam em termos do potencial de mobilidade, sem se ater aos limites de deslocamentos atuais ou passados, definindo seu conceito de motilidade como a capacidade de ser móvel no espaço social e geográfico. Além disso, ao formularem esse conceito, propõem que a mobilidade seja compreendida como uma forma de capital social, podendo ser adquirida, investida e intercambiada por outros capitais, incluindo o financeiro.  

O tempo inteiro é proposto no texto um diálogo entre os autores mostrando o que há em comum e as diferenças entre suas respectivas abordagens. Os autores conversam entre si.

Aquilo que Ana Marcela chama de continuidades e descontinuidades.

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Se em uma análise polarizada o marco funcional da mobilidade esteve mais engajado com a eficiência de deslocamentos para o alcance mais veloz, rentável e mais organizado a destinos principalmente orientados ao trabalho, vemos um movimento crítico na virada da mobilidade que busca trazer a dimensão da desigualdade na produção do espaço, em seu acesso e nas experiências a ele associadas.

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1.1.2    1.1.2 Mobilidade Individual Autônoma – Mobilidade Relacional

Pensar as mobilidades em rede permitiu que o sujeito da mobilidade fosse também reposicionado em sua prática. Da abstração de um sujeito autônomo e livre que determina seus trajetos de forma completamente individual, surgem mais recentemente escritos críticos com a proposta de uma leitura relacional das mobilidades. Entender a mobilidade dessa forma significa situar aquele ou aquela que se move em sua rede familiar, de contatos e no mundo social e espacial a seu redor. Assumindo as interrelações e interdependências entre sujeitos moventes, a dinâmica dos deslocamentos na cidade ganha uma complexidade antes apagada pela ilusão de uma autonomia liberal nessas práticas.  Manderscheid (2014) faz um apelo a essa perspectiva uma vez que demonstra a partir de pesquisa empírica como as escolhas de mobilidade são negociadas no ambiente familiar, discutidas entre os membros da família e, então, realizadas. Não sem tensão, os agentes têm de sincronizar seus interesses e possibilidades de movimento na cidade com os interesses e possibilidades daqueles com quem convivem.

A crítica de Manderscheid está direcionada a um modelo liberal de interpretação da mobilidade, em que o sujeito toma suas decisões sem que sejam consideradas chances desiguais de possibilidades de escolha.

Para além de localizar o sujeito em sua rede mais próxima, que pode ser fonte de constrangimentos ao movimento, a autora ainda observa os cerceamentos ou facilidades que as estruturas social e geográfica podem ceder. Segundo ela, as infraestruturas urbanas, a localidade da moradia, de serviços, juntamente com aspectos sociais desiguais de renda, sexo, idade ou educação acabam por modelar padrões de mobilidade.

Se de um lado temos a crítica ao tipo de abordagem que considera que a estrutura determina a mobilidade do sujeito, do outro temos que fazer a crítica da abordagem liberal que considera que tudo depende do indivíduo, desconsiderando os constrangimentos estruturais.

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Em uma perspectiva extremamente móvel, Manderscheid (2014) se aproxima de Foucault (1980) para definir um modelo que compreende as práticas de mobilidade como práticas relacionais, sendo o efeito e estando continuamente construindo uma espécie de “dispositivo de mobilidade”. Estariam envolvidos nesse dispositivo discursos, instituições, suas normas e decisões, formas arquitetônicas, declarações científicas, valores morais.

As práticas de mobilidade se dariam nessa complexa rede; rede esta que permanece encoberta uma vez que se analisam os padrões de mobilidades como escolhas livres e autônomas, levando ao risco da naturalização de padrões de mobilidade fundamentados em situações de desigualdade.

Frase importante: o que podemos encontrar no campo de pesquisa das mobilidades generificadas?

Evidentemente, as pesquisas já comentadas que situam as mobilidades generificadas em um contexto familiar se encontram mais próximas de um marco relacional da mobilidade. Há ainda algumas que consideram redes de contatos para a decisão acerca da forma de mover-se, como CASS et al. (2005)

Pesquisas que se dedicam a analisar de forma mais específica a experiência do medo nas mobilidades femininas, também consideram a dimensão relacional, mas apontando estratégias de acompanhamento utilizadas ou recomendadas pelas mulheres. (VALENTINE, 1989; SIQUEIRA, 2016). A necessidade de sincronizar a própria mobilidade com a de outras pessoas também é apontada em estudos da time-geography. (THRIFT, 1977; ELLEGARD, 2019). Fundamentados na inseparabilidade das esferas do espaço e tempo, e preocupados pela tendência dos estudos geográficos de não incorporar a temporalidade em suas análises, os pesquisadores situam as mobilidades sempre em relação a esses dois recursos.

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A concepção das práticas de mobilidade como práticas relacionais nos são muito úteis nesta pesquisa. Ao analisar critérios de escolha utilizados para mover-se vamos alinhadas às críticas feitas a um modelo liberal da mobilidade, sem perder de vista as redes sempre presentes que ora facilitam e ora restringem trajetos a serem escolhidos.

Definir qual caminho a pesquisa pretende seguir.

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1.1.3    1.1.3 Diferenças de sexo – Perspectivas feministas

Ao tratar de mobilidades generificadas encontramos nas produções bibliográficas uma diversidade de entendimentos e usos do termo gênero.

Discussão sobre a definição do conceito de gênero. No meu caso será necessário a discussão do conceito de estudante ou de jovem ou de adolescente.

A seguir, discutiremos de forma breve esse desenvolvimento, as formas mais comuns do aparecimento do termo de forma geral no campo científico e como ele esteve presente nas leituras que realizamos para este estudo.  

Histórico das aparições do termo gênero no campo de pesquisa.

O gênero como vocábulo não necessariamente está relacionado às diferenças ou hierarquias entre os sexos. Segundo Haraway (1991), contudo, ele sempre esteve associado a construções e classificações de sistemas de diferença – seja na área da linguística, da biologia, ou das ciências sociais.

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Definição do marco teórico dentro do qual o conceito de gênero está sendo desenvolvido nesta pesquisa: no caso, o feminismo. No meu caso, Bourdieu e Manderscheid.

Entretanto, nem todos os estudos que se dedicaram explorar a temática do gênero, como análise relacional das diferenças entre homens e mulheres, se realizam no campo feminista. A proposta feminista trata de desnaturalizar e politizar a subordinação das mulheres

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1.2 O QUE JÁ SABEMOS?

Percebemos que em termos metodológicos a maioria das pesquisas empíricas a que tivemos contato se encontraram em um destes dois polos: pesquisas quantitativas a partir de grandes bases de dados – sejam eles primários (BEST & LANZENDORF, 2005) ou secundários (SVAB, 2016; MAUTTONE & HERNANDEZ, 2017; TANZARN, 2008; KWAN, 2000; SCHEINER; HOLZ-RAU, 2012; MANDERSCHEID, 2014; entre outros) – e pesquisas qualitativas com referência etnográfica (com especial visibilidade às produções de Paola Jirón (2000, 2007) e outras que dela se aproximam (LYRA, 2016; BREVIS, 2016).

Entretanto, nos pareceu raro o aparecimento de métodos mistos ou heterodoxos.

Após longa revisão bibliográfica a autora aponta uma lacuna metodológica no campo de pesquisa, o método ainda sub-explorado.

Nesta seção, discorreremos sobre as informações já coletadas acerca das mobilidades generificadas.

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Um aspecto comum a todas as pesquisas é que se percebe que há aspectos na vida das pessoas, homens e mulheres, que influenciam em sua mobilidade diária. Percebe-se ainda que há aspectos específicos que impactam na vida das mulheres de forma singular. Seja na motivação do percurso, no seu tempo de duração, na distância percorrida, na estrutura da viagem (se com múltiplas paradas ou de forma direta), no meio de transporte utilizado ou nas experiências afetivas que uma pessoa experimenta ao mover-se, elencaremos aqui os principais aspectos que apareceram como fonte de contorno das mobilidades.  

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1.1.4    1.2.1 Padrões de deslocamento

Quanto à distância dos trajetos realizados, observamos em Kwan (2000), Hjorthol (2008) e Hanson e Pratt (1995) que as viagens de mulheres frequentemente apresentam um raio menor em relação ao domicílio do que as dos homens.

Comparação dos padrões de deslocamento entre homens e mulheres e os motivos das diferenças entre eles.

O cuidado relativo a filhos também foi apontado como um fator de diminuição na distância dos percursos (HJORTHOL, 2008), uma vez que são as mulheres que repetidamente se ocupam dos trajetos de levar e buscar filhos na escola, geralmente localizada próxima à residência.

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Outras desigualdades relacionadas aos meios de transporte utilizados por homens e mulheres na cidade foram identificadas por Tanzarn (2008) no contexto africano, mas também no contexto brasileiro. (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016). Mulheres são maioria tanto no uso do transporte coletivo quanto nas viagens a pé, enquanto homens o são nos meios motorizados.

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Outro padrão encontrado nos estudos desse campo foi a limitação das viagens de algumas mulheres quanto ao horário do dia.

O período da noite seria vetado

1.1.5    1.2.2 Experiências de mobilidade  

Quanto às experiências de mobilidade, percebemos dois eixos mais explorados pela bibliografia. O primeiro deles é o anteriormente citado, das experiências de medo e insegurança vivenciadas. O segundo se dedica a descrever experiências de conforto ou desconforto nas mobilidades.  

Sempre essa estratégia de agrupar os estudos em categorias.

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O campo das mobilidades generificadas trata-se, como mencionamos, de um campo relativamente recente de estudos, e apontamos aqui uma direção que merece aproximação. O fazemos também como forma de salientar o silêncio da comunidade acadêmica com relação a essa dimensão, uma vez que imaginamos que as experiências de rua de populações com vivências corporais normativas ou não podem ser profundamente distintas. Se em nosso estudo já percebemos inúmeras nuances com relação à corporeidade na mobilidade, julgamos que pesquisas nesse sentido têm muito o que contribuir para pensarmos o gênero na cidade. A seguir, apresentaremos nossas próprias escolhas metodológicas, no sentido de contribuir com esse campo em desenvolvimento e com a construção de cidades mais amplamente possíveis de serem circuladas por homens e mulheres em sua diversidade.  

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2 MATERIAIS E MÉTODOS

O objetivo desta pesquisa é desvelar e compreender os critérios utilizados em escolhas de trajetos de mobilidade urbana. Também, e a partir deles, identificar e compreender possíveis diferenças entre critérios utilizados por homens e mulheres, situados em contextos sociais e espaciais diversos.

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Pelo recorrido do campo acadêmico que traçamos, foi possível apontar para certa polaridade nas produções e métodos, fazendo-nos trabalhar a fim de desenvolver uma metodologia que transitasse pelas esferas frequentemente enrijecidas entre estudos qualitativos e quantitativos. Assim, optamos por lançar mão de métodos mistos para este trabalho e o desenho metodológico final foi dividido em duas partes principais: 1) análise estatística descritiva das práticas de mobilidade da população belorizontina a partir da Pesquisa Origem Destino 2012 (Pesquisa OD); 2) trabalho de campo e realização de entrevistas semiestruturadas com pessoas selecionadas a partir de recorte territorial e de gênero.

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2.1 PESQUISA ORIGEM DESTINO: A PORTA DE ENTRADA

A Pesquisa Origem Destino é hoje o principal instrumento utilizado pelo poder público para o planejamento de políticas de mobilidade.

Apresentação e breve histórico da pesquisa origem e destino

Com auxílio do software Stata, foram primeiramente analisados os dados sociodemográficos da amostra da população que relatou não ter feito nenhum trajeto no dia anterior, com o propósito de encontrar padrões de constrangimento da mobilidade associados ao sexo do respondente e à presença de crianças no domicílio.

Interessante: analisar aqueles que declararam não ter se movido no dia anterior e os motivos da imobilidade

Depois, passamos à análise dos padrões de mobilidade encontrados entre pessoas que sim relataram trajetos

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Descrição das limitações do uso da pesquisa origem destino enquanto método

A Pesquisa Origem Destino apresenta algumas limitações específicas que gostaríamos de frisar.

a pesquisa não contém uma variável referente à raça ou etnicidade

O fato de a Pesquisa OD utilizar apenas o dia anterior à entrevista como referência para a descrição dos trajetos é uma delas, fazendo com que mobilidades realizadas aos fins de semana, por exemplo, não sejam computadas

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A dimensão relacional da mobilidade já enfatizada por Manderscheid (2014) apareceu de forma muito visível nas análises feitas, e este foi um eixo fundamental para que construíssemos o recorte a ser utilizado para a realização das entrevistas, como veremos a seguir.

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3 COMO LER ESTA PESQUISA: PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS

Antes de que comecemos a nos aprofundar no conteúdo colhido e analisado durante a pesquisa, nos parece necessário explicitar algumas perspectivas fundamentais para sua leitura. Falar em critérios de escolha para a mobilidade, bem como dividi-los de forma a prover um texto coerente e inteligível para sua interpretação, nos provocou inquietações que merecem ser tratadas com cuidado para evitar compreensões difusas acerca do nosso entendimento sobre a agência do indivíduo e a separação das dimensões de espaço e tempo.  

Neste capítulo fornecemos as “lentes” que gostaríamos que fossem utilizadas para interpretar esses dois aspectos da pesquisa.

3.1 PANORAMA DOS DADOS COLETADOS

Exposição dos conceitos necessários para a correta leitura da pesquisa

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Entrevistas feitas, organizamos em uma primeira análise de conteúdo a massa textual coletada nas narrativas em 63 critérios de escolha, que apareceram, somados, 766 vezes nas quase dezessete horas de conversa que tive com os participantes

Uma análise mais minuciosa dos dados nos fez perceber que para além de sua organização em famílias há três grandes aspectos que orientam as mobilidades, sendo esses fatores associados ao tempo, ao espaço e às interrelações humanas.

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3.2 TRAMA ESPAÇO-TEMPO

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Critérios relacionados ao tempo de deslocamento só fazem sentido uma vez que origens e destinos se encontram apartados por alguma distância (física, virtual ou discursiva), que demanda tempo para ser percorrida. Critérios de espaço, por outro lado, não podem ser lidos sem que sejam localizados em um determinado tempo, em suas múltiplas facetas: seja o tempo do ciclo de vida do sujeito, o tempo por seu corpo percorrido

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3.3 CRITÉRIOS DE ESCOLHA E INTERRELAÇÕES

Elias (2008), assim como Massey (2004) também se mostra um crítico das separações rígidas a que estamos acostumados sem nos questionar. Ao contrário da leitura tradicional de indivíduo e sociedade configurados em esferas separadas que se relacionam mediante a tensão entre o poder de agência do indivíduo e o poder de coerção da sociedade, a interpretação de Elias situa estes dois pólos como elementos de um mesmo processo social de indivíduos que existem em relação.

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Uma vez em seu modelo temos indivíduos interdependentes, o poder aparece na teia, na relação entre eles, e não como uma coisa material que se concentra em um, em outro ou em grandes instituições.

Elias (1994) só consegue demonstrar a inseparabilidade dessas duas esferas através de estudos de longo prazo, que fazem uma leitura dos processos sociais como isto: processos, em constante desenvolvimento e em transformação ao longo do tempo. O autor não trata de fazer uma ciência social estática, e percebemos em suas leituras uma dimensão móvel muito antes de termos tido contato com Sheller e Urry (2006).

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4 CRITÉRIOS DE TEMPO

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4.1 O USO DO TEMPO  

Ao nos posicionarmos com Manderscheid (2014) de forma crítica à ideia liberal e autônoma sobre as decisões de mobilidade, nos apoiamos em leituras que situam o movimento na cidade em um sistema de relações. Fazendo isso, identificamos como trabalhos nessa linha (MANDERSCHEID, 2014; MADARIAGA, 2013; ROSA, 2018, entre outros) se aproximaram dos conflitos da divisão sexual do trabalho de forma por vezes mais explicitamente tomando um posicionamento feminista, por vezes menos.

Critica à ideia liberal de total autonomia do indivíduo nas decisões de mobilidade.

4.1.1 Divisão sexual do trabalho: distribuição de tarefas nas práticas de mobilidade  

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No Brasil, estudos de uso do tempo revelam a manutenção de um padrão em que as mulheres são frequentemente as responsáveis pela realização das tarefas domésticas, com grande influência do nível de renda na quantidade de horas dedicadas a esse trabalho (IPEA, 2011). Tomando a população geral, tem-se no Brasil que as mulheres dedicam 73% mais horas do que os homens em cuidados e afazeres domésticos (IBGE, 2018)

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4.1.2. O lugar do cuidado na mobilidade: achados da pesquisa

O primeiro exercício que fizemos foi tomando como base para análise os dados da Pesquisa OD 2012, em que nos dedicamos a observar as diferenças nas motivações e durações dos trajetos, assim como no uso do meio de transporte. Detalharemos o que foi encontrado e posteriormente faremos uma discussão acerca dos resultados, levando em consideração os conceitos de soberania do tempo (BREEDVELD, 1998) e efeito túnel (tunneling effect). (JIRÓN, 2010).

Ao comparar homens e mulheres de forma geral e homens e mulheres responsáveis pelo domicílio encontramos diferenças marcantes quanto à mobilidade do cuidado.

Percebemos que as principais diferenças na motivação dos trajetos encontram-se nos valores referentes às porcentagens de trajetos realizados para o trabalho, o cuidado e o lazer.

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Se observamos os padrões dos homens e mulheres que se declararam responsáveis pelo domicílio ou seus/suas cônjuges, temos um cenário semelhante, mas com diferenças mais acentuadas. Tanto a mobilidade destinada ao trabalho quanto a destinada ao cuidado aumenta para ambos os sexos, enquanto àquela destinada ao estudo apresenta um valor muito reduzido.

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Um aspecto que nos chamou atenção no sentido contrário, entretanto, foi o retorno de um aumento de trajetos de cuidado realizados pelas mulheres com as mais altas escolaridades. Esse detalhe nos faz inserir aqui um conceito que nos acompanhará pelo restante do trabalho: o de soberania de tempo. Breedveld (1998) faz um relevante apontamento ao desdobrar a discussão proposta pela time-geography acerca do tempo como recurso ao tratar de soberania de tempo (time-sovereignty). Falar do tempo em termos de recurso implica reconhecer que as pessoas têm dele uma disponibilidade limitada para realizar suas atividades. Caso uma pessoa tenha apenas uma tarefa para realizar durante todo um dia, não dependa de sincronizar seu tempo ou espaço com o de outras pessoas (pareamento), e tenha necessidade de dormir oito horas por dia, ela teria em seu “time- budget” (em uma tradução livre: orçamento de tempo) 16 horas disponíveis. O interesse de Breedveld (1998) ao considerar um aspecto de soberania do tempo é então o de analisar a capacidade dos indivíduos de controle do tempo que têm disponível – não apenas considerar o acesso a um recurso, mas o domínio que se tem quanto a seu uso.  

Ao se debruçar sobre a realidade de cronogramas de trabalho flexíveis, Breedveld (1998) percebe que homens e pessoas com escolaridade mais alta (em oposição a mulheres e pessoas de outros níveis educacionais) conseguem definir com maior liberdade os limites de um cronograma flexível de trabalho – as horas de trabalho destinadas a ele (número de horas e o período do dia em que serão exercidas) e o local onde ele será realizado (se em casa ou em um local institucional de trabalho). Seu trabalho indica que esses grupos teriam mais soberania em decidir como, quando e quanto trabalhar, podendo de fato escolher com maior liberdade como fazê-lo.  

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Parece-nos aqui também que nas faixas de mais alta escolaridade entre mulheres há um fator relacionado à possibilidade de escolha dos trajetos que se quer fazer, podendo “se dar ao luxo” de dedicar mais tempo a trajetos de cuidado. Jirón (2017) também o identifica esse padrão, ao relatar a preferência de mulheres de alta renda por não delegar a tarefa de levar filhos na escola ao desejarem passar mais tempo, um tempo de qualidade, junto a eles.

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5 CRITÉRIOS DE ESPAÇO  

A forma do espaço, os símbolos nele impressos, recursos por sua extensão distribuídos e sua organização também são fatores que identificamos como orientadores do processo de tomada de decisão acerca das mobilidades. Neste capítulo explicitaremos a partir das entrevistas porque e como o “espaço importa”.

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5.2.2 Redes de solidariedade como recurso  

Anteriormente já evidenciamos como a capacidade de acionar redes de familiares e amigos expandiu a possibilidade de mover-se com relação a critérios de tempo, que se relacionam também com a distância do destino desejado. Essa capacidade, traduzida em poder deixar os filhos na casa da avó ou contar com familiares para ter acesso ao carro, são possibilidades que apareceram em nossas entrevistas como formas de acesso a oportunidades de trabalho mais distantes, à estratégia de saltar a cidade e à percursos mais seguros, considerando a presença de um acompanhante.

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5.3.1 A cidade quando se move  

A perspectiva de Jirón (2010) acerca dos espaços móveis também nos faz considerar as relações que são tecidas com os lugares que estão em movimento enquanto nos deslocamos, aqueles que passam velozmente por nós durante um translado.

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A leitura de Breedveld (1998) sobre a soberania de tempo, e, como adicionamos, também de espaço, nos é útil para compreender algumas limitações e facilidades nas escolhas possíveis para a mobilidade urbana. Entretanto, ela pode nos levar por uma via por demais funcionalista, fazendo-nos crer que ao solucionar o problema do acesso físico (ou virtual) aos destinos, as escolhas poderiam dar-se de forma livre e autônoma. Como compreendemos os indivíduos em uma rede de relações a partir de Elias (ELIAS & FERREIRA, 2008), uma percepção como esta deve ser lida também inserida em redes que objetivamente e subjetivamente modelam soberanias individuais. Para estes autores, no entanto, não se trata de moldes deterministas, mas configurações que inevitavelmente permitem em maior ou menor grau uma margem de ação individual. Por essa razão sustentamos o uso dos termos de soberania, apesar da ressalva que vai alinhada também à crítica de Manderscheid (2014) especificamente sobre as escolhas de mobilidade. Text (red):

Importante: uma vez que autora crítica a ideia liberal de autonomia das decisões individuais, é necessário explicar e contextualizar o uso do termo soberania de tempo.

O ponto que queremos frisar é que o problema do acesso à cidade não se resume no acesso ao transporte. É evidente que o investimento em redes de mobilidade que ampliem as possibilidades de caminhos e os destinos possíveis é uma medida contra desigualdades de oportunidades na cidade. Entretanto, essa medida sozinha não é suficiente quando consideramos a redução dos mapas de possibilidades também em uma esfera subjetiva e social.

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A dimensão afetiva na mobilidade começa a despontar com a visibilização do medo nos trajetos principalmente femininos. No entanto, enquanto corremos o risco de aprofundar estereótipos de gênero por considerar apenas esta face do afeto e ainda ligá- la às mulheres de forma exclusiva – colocando o sexo feminino novamente como aquele naturalmente associada à afetividade, à esfera emocional e à posição de fragilidade – há outros aspectos da afetividade que também seriam úteis à racionalização da mobilidade.

Se um mapa de oportunidades pode ser também composto por elementos construídos via relações sociais próximas, com familiares, amigos e professores, é possível dizer que ele também está permeado de afeto, assim como fluxos determinantes para atingir destinos e recursos na cidade.  Text (red):

Conceito importante: mapa de oportunidades

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que o estabelecimento de uma divisão sexual do trabalho, associada à uma separação das esferas pública e privada entre homens e mulheres, influencia na disponibilidade de tempo que ambos dispõem para as atividades e trajetos cotidianos, assim como em suas possibilidades de circulação no espaço público.

De forma muito específica percebemos o quanto um arranjo familiar com filhos modelou de forma insistente a soberania das mulheres, principalmente com relação a seu tempo. Entretanto, fato é que aquelas em situação de menor vulnerabilidade, com capacidades de terceirizar tarefas e ter acesso a automóveis para locomover-se apresentaram ter maior controle de seus recursos de espaço e tempo. Também aquelas que puderam contar com redes de solidariedade o demonstraram. Por outro lado, quanto mais grave a situação de vulnerabilidade, menor o controle – ou soberania – destes recursos. Nestas circunstâncias é que percebemos com maior evidência o peso da dependência de serviços públicos ineficazes de mobilidade, que ao mesmo tempo em que possibilitam o alcance a determinados destinos em determinados horários, também os limita de acordo com sua organização, circunscrevendo as possibilidades de acesso à recursos, atividades e destinos na cidade.

A ineficiência de um sistema de mobilidade que não dá conta das demandas complexas da população foi traduzida em todos os relatos como a urgência de acesso ao automóvel para transpor barreiras de acesso a recursos.

Nos relatos das mulheres, o automóvel também é sinônimo de segurança, e de forma mais explícita ao se tratar de trajetos a serem realizados no período noturno. A dificuldade em acessá-lo muitas vezes apareceu como fonte de imobilidade de mulheres, que preferiam ficar em casa a arriscar-se por um trajeto. Também, o automóvel aparece como chave para facilitar trajetos feitos acompanhados de crianças e das cargas – mochilas, bolsas e sacolas de supermercado – que muitas vezes vem acompanhando estes trajetos de cuidado com a família e com a casa, feitos de forma expressiva mais frequentemente pelas mulheres que entrevistamos.

O local de moradia, assim como o IDHM das regiões que elencamos ao estruturar nosso recorte metodológico, mostraram sua alta relevância no que diz respeito à quantidade de recursos disponíveis no espaço, o que levava a viagens mais curtas e rápidas.

Não só com relação à presença de automóveis no domicílio, a proximidade de equipamentos de saúde, educação e lazer variou entre os bairros de nossa amostra, estando em maior número naquela da região do Anchieta, a de maior IDHM e localizada na região centro-sul da cidade. Porém, ainda que um bairro estivesse localizado distante da região central da cidade – como no caso da região do Castelo e Barreiro de Cima - o acesso a um automóvel foi sinônimo de viagens mais rápidas, curtas e agradáveis. Também, como presenciamos no caso do Barreiro de Cima, se há uma concentração de recursos próximos à residência, percebe-se um aumento na facilidade de acesso e uma melhora na experiência da mobilidade. Ainda, transitar por espaços com uma maior variedade de recursos, por ruas movimentadas por comércios, colégios ou hospitais também foi um fator repetidamente lembrado pelas entrevistadas como fonte de maior segurança e agradabilidade.

A forma do espaço, trazida aqui na análise da infraestrutura viária, da geometria do caminho e da topografia da cidade foi também vista como orientadora de caminhos. Ruas escuras, esburacadas e mal sinalizadas, por exemplo, eram constantemente evitadas e se mostraram fonte de redução das possibilidades de trajetos e acesso a recursos.

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Não é preciso dizer que no sentido de diminuir as desigualdades de gênero que encontramos, a solução tampouco pode ser limitada a melhorias na mobilidade urbana.

estudos feministas que apontam para a necessidade de mudanças no que diz respeito à divisão sexual do trabalho e à regulação social do corpo das mulheres nas esferas privada e pública.

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