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15.9.15

BOURDIEU, Pierre. O campo político. In: CASTRO, Celso (org.) Textos Básicos de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

O CAMPO POLÍTICO - Pierre Bourdieu

Bourdieu contrapõe à suposta igualdade formal própria do ordenamento político uma desigualdade real de acesso ao campo. Há, assim, uma minoria de “profissionais” que participa do campo político e uma massa de “profanos” que não encontra legitimidade social para a ação política e que tende, na visão de Bourdieu, a interiorizar e naturalizar sua própria impotência. O campo político, no entanto, nunca se autonomiza completamente, já que, em suas lutas internas, remete permanentemente às clientelas que lhe são externas e que podem ter a palavra final nestas disputas.

Falar de campo político é dizer que o campo político (e por uma vez citarei Raymond Barre) é um microcosmo, isto é, um pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do grande mundo

Noção de autonomia: um campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social.

É um universo no qual operam critérios de avaliação que lhe são próprios e que não teriam validade no microcosmo vizinho.

Um índice, o escândalo: quem entra para a política se compromete tacitamente a eximir-se de certos atos incompatíveis com sua dignidade, sob pena de escândalo.

Como o campo religioso, o campo político repousa sobre uma separação entre os profissionais e os profanos. No campo religioso, há os laicos e os clérigos.

Havia nos aparelhos políticos, inclusive nos partidos democráticos ou nos sindicatos representativos dos trabalhadores, uma certa tendência à concentração do poder nas mãos de um pequeno número, de uma oligarquia. É uma visão bastante pessimista da história, que equivale a dizer que há sempre dominantes e dominados, até mesmo nos partidos que se presume expressarem as forças supostamente voltadas para libertar os dominados.

Essa constatação da capacidade desigual de acesso ao campo político é extremamente importante para evitar naturalizar as desigualdades políticas (uma das grandes tarefas permanentes da sociologia é a de recolocar a história no princípio de diferenças que, espontaneamente, são tratadas como diferenças naturais). Há, portanto, condições sociais de possibilidade de acesso a esse microcosmo, como, por exemplo, o tempo livre: a primeira acumulação de capital político é característica de pessoas dotadas de um excedente econômico que lhes possibilita subtrair-se às atividades produtivas, o que lhes permite colocar-se na posição de porta-voz.

Quanto mais o campo político se constitui, mais ele se autonomiza, mais se profissionaliza, mais os profissionais tendem a ver os profanos com uma espécie de comiseração.

Para estar em desacordo sobre uma fórmula política, é preciso estar de acordo sobre o terreno de desacordo.

Se queremos compreender o que faz um político, é por certo preciso buscar saber qual é sua base eleitoral, sua origem social…, mas é preciso não esquecer de pesquisar a posição que ele ocupa no microcosmo e que explica uma boa parte do que ele faz.

O funcionamento do campo produz uma espécie de fechamento. Esse efeito observável é o resultado de um processo: quanto mais um espaço político se autonomiza, mais avança segundo sua lógica própria, mais tende a funcionar em conformidade com os interesses inerentes ao campo, mais cresce a separação com relação aos profanos.

O político local, de base, pode ser “natural” nos pequenos povoados ou nas cidades pequenas; pode contentar-se com uma competência política elementar, na medida em que se trata de conhecer bem seus cidadãos e de ser “bem visto” por eles. Quando se passa no nível do Conselho Geral, de uma assembleia departamental, o pertencimento ao partido começa a ter um papel e os mais antigos socializam os mais novos, ensinando-os a não reagir de maneira inflexível com uma simples política espontânea.

Com bons sentimentos, faz-se má política. É preciso aprender a usar de evasivas ou subterfúgios, aprender os artifícios, as relações de forças, como tratar os adversários… Essa cultura específica deve ser dominada de forma prática.

No campo das matemáticas, que é sem dúvida o mais autônomo dos campos, os praticantes só se relacionam com seus pares e competidores. (Entre parênteses, deve-se dizer que é isso o que faz com que as matemáticas progridam, pois, quando você só tem relacionamento com seus competidores, você está sob forte vigilância e está obrigado a refinar suas demonstrações.)

“Proletários de todos os países, uni-vos!”b é uma declaração política que quer dizer que o princípio de divisão nacional não é muito importante em relação ao princípio internacional que opõe transnacionalmente ricos e pobres.

Vê-se, pois, que o campo político tem uma particularidade: nunca pode se autonomizar completamente; está incessantemente referido a sua clientela, aos leigos, e estes têm de alguma forma a última palavra nas lutas entre os clérigos, entre os membros do campo.

Os adversários, que competem pelo monopólio da manipulação legítima dos bens políticos, têm um objeto comum em disputa, o poder sobre o Estado.

Cada espécie particular de capital está ligada a um campo e tem os mesmos limites de validade e de eficácia que o campo no interior do qual tem curso.

O capital político é, portanto, uma espécie de capital de reputação, um capital simbólico ligado à maneira de ser conhecido.

Atualmente, o partido é uma espécie de banco de capital político específico, e o secretário-geral de um partido é uma espécie de banqueiro que controla o acesso ao capital político.

O que se chama de lutas de classes são, na verdade, lutas de classificação. Mudar esses princípios de classificação não é simplesmente realizar uma ação intelectual, é também uma ação política na medida em que os princípios de classificação fazem classes, as quais são passíveis de mobilização.

A tentativa de dar um pouco de força política a ideias verdadeiras é particularmente difícil e arriscada em um jogo em que os poderosos tendem a imitar a verdade e a procurar dar às crenças e aos princípios de visão e de divisão que se esforçam por impor, em matéria de economia notadamente, a aparência de uma marca de verdade, de uma garantia científica. Eles não param de dizer “a ciência está conosco”, os prêmios Nobel estão conosco, como nas guerras de outrora se gritava “Deus está conosco”; e eles pedem ao povo que se oriente pelos mais competentes, pelos que possuem melhor conhecimento, que reivindicam o monopólio da manipulação dos bens de salvação política, o monopólio da definição do bom e do bem políticos, em nome do monopólio da competência e da verdade.

A esse golpe de força exercido em nome da ciência, mas com todos os meios fornecidos pelo poder econômico, temos o direito (e talvez o dever) de nos opor.

Jogo-duplo que é constitutivo do jogo político: a força é simultaneamente a arma e o que está em jogo. 

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