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19.10.17

JACOBS, Jane. Introdução. In:______. Morte e vida de grandes cidades. 2.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. 510 p.

Este livro é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes.

Escreverei principalmente sobre coisas comuns e cotidianas, como, por exemplo, que tipos de ruas são seguros e quais não são; que iniciativas de reurbanização conseguem promover a vitalidade socioeconômica nas cidades c quais práticas e princípios a inviabilizam.

Os shopping centers monopolistas e os monumentais centros culturais, com o espalhafato das relações públicas, encobrem a exclusão do comércio - e também da cultura - da vida íntima e cotidiana das cidades.

Os efeitos nocivos dos automóveis são menos a causa do que um sintoma de nossa incompetência no desenvolvimento urbano.

A maneira de decifrar o que ocorre no comportamento aparentemente misterioso e indomável das cidades é, em minha opinião, observar mais de perto, com o mínimo de expectativa possível, as cenas e os acontecimentos mais comuns, tentar entender o que significam e ver se surgem explicações entre eles.

Acho que as zonas urbanas malsucedidas são as que carecem desse tipo de sustentação mútua complexa e que a ciência do planejamento urbano e a arte do desenho urbano, na vida real e em cidades reais, devem tornar-se a ciência e a arte de catalisar e nutrir essas relações funcionais densas.

Há um aspecto ainda mais vil que a feiura ou a desordem patentes, que é a máscara ignóbil da pretensa ordem, estabelecida por meio do menosprezo ou da supressão da ordem verdadeira que luta para existir e ser atendida.

A indústria se instalaria na Cidade-Jardim, visto que Howard não projetava cidades, nem cidades-dormitórios. Sua meta era criar cidadezinhas autossuficientes, cidades realmente muito agradáveis se os moradores fossem dóceis, não tivessem projetos de vida próprios e não se incomodassem em levar a vida em meio a pessoas sem projetos de vida próprios.

Wright, Mumford e Bauer, demonstraram e popularizaram ideias como estas, que hoje são inquestionáveis no urbanismo ortodoxo: a rua é um lugar ruim para os seres humanos; as casas devem estar afastadas dela e voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Ruas numerosas são um desperdício e só beneficiam os especuladores imobiliários, que determinam o valor pela metragem da testada do terreno. A unidade básica do traçado urbano não é a rua, mas a quadra, mais particularmente, a superquadra. O comércio deve ser separado das residências e das áreas verdes. A demanda de mercadorias de um bairro deve ser calculada "cientificamente", e o espaço destinado ao comércio deve ater-se a isso, e a nada mais. A presença de um número maior de pessoas é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, e o bom planejamento urbano deve almejar pelo menos a ilusão de isolamento e privacidade, como num subúrbio. Os descentralizadores também insistiram nas premissas de Howard de que uma comunidade planejada deve ser ilhada, como uma unidade autossuficiente, deve resistir a mudanças futuras e todos os detalhes significativos devem ser controlados pelos planejadores desde o início e mantidos dessa maneira. Em suma, o bom planejamento era o planejamento previamente projetado.

Na cidade vertical de Le Corbusier, a massa da população seria alojada a uma taxa de 296 habitantes por mil metros quadrados, uma densidade urbana sem dúvida fantasticamente alta, mas, em virtude das construções altas, 95 por cento do solo permaneceria livre.

A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades.

Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e início dos anos 30.

E claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques.

Essa visão e seu ousado simbolismo eram absolutamente irresistíveis para urbanistas, construtores, projetistas e também para empreiteiros, financiadores e prefeitos.

Até hoje o plano diretor de uso do solo das metrópoles constitui-se basicamente de propostas de localização de atividades - geralmente levando em conta os transportes - de várias dessas escolhas "descontaminadas". De uma ponta a outra, de Howard e Burnham à mais recente emenda à lei de renovação urbana, toda a trama é absurda para o funcionamento das cidades. Não estudadas, desprezadas, as cidades têm servido de cobaia.

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