A
princípio, notamos que a anomia é um estado de falta de objetivos e
perda de identidade, provocado pelas intensas transformações
ocorrentes no mundo, exatamente, quando não há correspondência
entre as regras morais estabelecidas e as condições so-ciais em que
se encontra o indivíduo.
A
obra de Dostoiévski nos mostra que a modernidade fomentou tal
situação, na medida em que o passar do tempo provoca novos valores,
abandona os antigos e deixa à deriva pessoas que se afundam num
estado anômico
Ao
abordarmos a anomia no contexto social e religioso, queremos
identificar aqui o fato de que o homem, no contato direto com um
mun-do em constante transformação, de valores e referências, acaba
por se encontrar num estado de perene desorganização pessoal o que
acarreta desequilíbrio em sua relação e participação como
cidadão, e como tal lhe é exigido corresponder a rígidas
exigências, atender a normativas e leis a fim de melhor corresponder
e obedecê-las através de instrumentos institu-cionalizados do
circuito social.
Forte
crítica ao determinismo e a resposta que é devida à sociedade no
que concerne as suas responsabilidades e atitudes mediante códigos
morais nas diferentes relações humanas.
Esse
personagem enfatiza o antagonismo, vivido ainda hoje, entre a ânsia
de viver com alegria, felicidade e prazer e as exigências que nos
são impostas para controlar nossos desejos mais íntimos. Isto, por
sua vez, é visto de um modo que corrobora a permanência no quadro
de moralidade dos costumes ou então, para um estado de anomia,
enquanto negação de parâmetros moralizantes de algo externo ao
indivíduo.
Assim,
o homem acaba por entrar em choque com sua consciência e o que advém
do externo, da estrutura “natural” da sociedade, devido à
cons-tante necessidade de corresponder ao corpo social e equilibrar o
desejo pessoal às intensas transformações que atingem a todos.
Agora
vivo no meu canto, provocando a mim mesmo com a desculpa rancorosa e
inútil de que o homem inteligente não pode seriamente se tornar
nada, apenas o tolo o faz (...) o ho-mem do século XIX que possui
inteligência tem obrigação moral de ser uma pessoa sem caráter. 2
Presente
nesta situação de inconstância e desajuste4 encontramos o
personagem de Memórias de um ponto de vista anômico inicial pois
este “homem do subterrâneo é aquele que sabe que está perdido
O
homem do subsolo está em contraposição ao homem de ação,
forte-mente, criticado por adequar-se a um muro, como simbologia de
determi-nação de suas ações, ao obedecer regras e normas impostas
pela socieda-de.
Este
muro presente em nossa so-ciedade confere aos indivíduos
estabilidade e segurança, visto que, na ver-dade, “o muro não
significa desvio (...) possui para eles algo que acalma, que
soluciona a situação do ponto de vista moral, e é definitivo;
talvez até possua algo místico”.7
Marcado
pelo determinismo em sua personalidade como fruto da construção
realizada no âmbito social, encontramos o homem do subsolo que,
confrontado com as normas, procura atender, sobretudo, à sua
na-tureza de caráter instintivo. Este mesmo homem combate tal
construção provocada e forçosamente inculcada na psiqué humana de
um ser como produto da sociedade
veremos
que este se autodescreve como um camundongo, que rumina em sua
consciência, seu caráter anômico: “esse homem às vezes vai
dobrar-se tanto de sua antítese que, com toda a sua consciência
amplificada honestamente vai se considerar um camun-dongo, e não um
homem.” 8
(...)
constantemente aparecem na vida pessoas tão corretas e sensatas, tão
sábias e amantes do gênero humano que as-sumem como seu objetivo de
vida comportar-se da maneira mais correta e sensata possível para,
por assim dizer, ser uma luz para os demais, provando para eles que é
possível de fato viver neste mundo de maneira correta e sensata. E
daí? Sabe-se que muitos desses amantes do gênero humano, uns mais
cedo, outros mais tarde, alguns já no fim da vida, traíram a si
mesmos (...).12
Sociedade
descaracterizou o ser humano para enquadrá-lo e satisfazer o
estatuto social.
O
“ser humano que procura definir a si mesmo como um ser livre, só
pode acabar em um niilismo psicológico, pois ele descobre que suas
ideias mudam de uma hora para outra, ele não tem certeza de critério
algum”.15
Nenhum comentário:
Postar um comentário