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12.5.20

ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Zahar, 1996.


Prefácio à edição inglesa
ERIC DUNNING E STEPHEN MENNELL

Os alemães é a obra mais importante de Norbert Elias desde a publicação de O processo civilizador. Sua tradução em inglês é, portanto, um evento sociológico de inegável significação.

Studien über die Deutschen foi publicado em 1989, exatamente cinqüenta anos após O processo civilizador 1 e um ano antes da morte de Norbert Elias.

Não é um texto contínuo sobre o qual Elias tivesse trabalhado nos dois ou três anos que precederam sua publicação; trata-se, antes, de uma seleção de ensaios e conferências em que trabalhara, em alguns casos, ao longo dos últimos trinta anos.

Sugere ele, “assim como no desenvolvimento de uma pessoa individual, as experiências de períodos anteriores de sua vida continuam tendo um efeito no presente, também as experiências passadas influem no desenvolvimento de uma nação.” Os alemães corrobora amplamente essa proposição. Assim, através de um hábil entrelaçamento de provas empíricas e argumentos teóricos, Elias aponta os muitos caminhos em que aquelas características do habitus, da idiossincrasia, da personalidade, da estrutura social e do comportamento do alemão que se combinaram para produzir a ascensão de Hitler e os genocídios nazistas podem ser entendidas como resultantes do passado da Alemanha.

Por “habitus” — uma palavra que usou muito antes de sua popularização por Pierre Bourdieu3 — Elias significa basicamente “segunda natureza” ou “saber social incorporado”.

Elias afirma que “os destinos de uma nação ao longo dos séculos vêm a ficar sedimentados no habitus de seus membros individuais” (p.30), e daí decorre que o habitus muda com o tempo precisamente porque as fortunas e experiências de uma nação (ou de seus agrupamentos constituintes) continuam mudando e acumulando-se.

Em parte, Os alemães pode ser considerado uma ampliação da comparação entre o desenvolvimento da Grã-Bretanha, França e Alemanha que transcorre ao longo de O processo civilizador

A sua tese central é de que a facilidade e rapidez com que Estados centralizados emergiram na Europa Ocidental dependeu, ceteris paribus, do tamanho das formações sociais envolvidas e, assim, da extensão das divergências geográficas e sociais existentes.

De todos os eventos que ocorreram até agora no século XX, o genocídio nazista foi aquele que infligiu o maior choque à imagem que a população européia tinha de si mesma, tão fortemente impregnada pela idéia de “civilização”. Mas o que quer que possa ter sido, e por mais que envolvesse o uso de técnicas “civilizadas” como formas burocráticas “racionais” de administração, os genocídios dificilmente podem ser descritos, por maior que seja o esforço de imaginação, como algo “civilizado”. De fato, eram extremamente “incivilizados” e ocorriam no contexto do que Elias descreveu como um “colapso de civilização.

A publicação desta tradução de Os alemães ajudará inevitavelmente a corrigir a percepção errônea da teoria dos processos civilizadores como uma teoria “otimista”, “unilinear” e de “progresso” da história humana, e a promover um reconhecimento mais amplo do lugar dos processos des civilizadores dentro da teoria geral. Elias reconheceu claramente que processos civilizadores e descivilizadores podem ocorrer simultaneamente em determinadas sociedades, e não apenas nas mesmas ou em diferentes sociedades em diferentes pontos do tempo.

Introdução

O quadro de eventos elaborado por alguém que é pessoalmente afetado por eles difere usualmente, de modo característico, daquele que se forma quando observados com a imparcialidade e o distanciamento de um pesquisador.

Tentativa de destrinçar desenvolvimentos no habitus nacional alemão que possibilitaram o violento surto descivilizador da época de Hitler, e apurar as conexões entre eles e o processo a longo prazo de formação do Estado na Alemanha.

É mais fácil, em princípio, reconhecer os elementos compartilhados do habitus nacional no caso de outros povos do que no daquele a que se pertence.

Adquirir consciência das peculiaridades do habitus da nossa própria nação requer um esforço específico de autodistanciamento.

Torna-se tão logo evidente que o habitus nacional de um povo não é biologicamente fixado de uma vez por todas; antes, está intimamente vinculado ao processo particular de formação do Estado a que foi submetido.

No passado recente, a Grã-Bretanha é um exemplo impressionante das dificuldades que uma grande potência de primeira ordem tem tido para ajustar-se ao seu rebaixamento a potência de segunda ou terceira classe.

Uma reação freqüente, nesse caso, é negar a realidade do próprio declínio. As pessoas comportam-se como se nada tivesse acontecido. Depois, quando não podem continuar escondendo mais de si mesmas que sua sociedade perdeu toda e qualquer possibilidade de ocupar uma posição nas categorias mais elevadas da hierarquia, seja de tribos ou de Estados, e assim perdeu, ao mesmo tempo, uma parcela de sua independência, então o habitus dos membros dessa sociedade mostra usualmente sinais de depressão. Começa uma fase de pesar e lamentação pela grandeza perdida.

Para os alemães, uma existência à sombra de um passado mais grandioso nada tem de novidade. O império alemão medieval e, em particular, alguns dos mais notáveis imperadores medievais serviram por muito tempo como símbolos de uma Grande Alemanha que se perdera — e, por isso mesmo, também como símbolos de uma secreta aspiração à supremacia na Europa.

Especialistas calculam que durante a Guerra dos Trinta Anos a Alemanha perdeu um terço de sua população. No contexto do desenvolvimento alemão, esses trinta anos de guerra representam uma catástrofe. Deixaram marcas permanentes no habitus alemão. Na memória dos franceses, ingleses e holandeses, o século XVII é descrito como um dos mais brilhantes em relação ao desenvolvimento destes povos, um período de grande criatividade cultural e de crescente pacificação e civilização. Para a Alemanha, entretanto, esse século foi um período de empobrecimento, inclusive de empobrecimento cultural, e de crescente brutalidade entre as pessoas.

A fragilidade estrutural do Estado alemão, a qual tentava constantemente as tropas estrangeiras de países vizinhos a invadir seu território, produziu uma reação entre os alemães que levou a conduta militar e as ações bélicas a serem altamente respeitadas e, com freqüência, idealizadas.

Para muitos alemães, a derrota de 1918 foi uma experiência inesperada e altamente traumática. Atingiu um ponto sensível no habitus nacional e foi sentida como um regresso ao tempo da fraqueza alemã, dos exércitos estrangeiros no país, de uma vida na sombra de um passado mais grandioso.

Muitos membros das classes média e superior alemãs — talvez a grande maioria — sentiram que não poderiam viver com tamanha humilhação. Concluíram que deviam preparar-se para a guerra seguinte, com melhores chances de uma vitória alemã, mesmo que, no começo, não estivesse claro como isso poderia ser feito.

Vislumbrou-se a realização de um sonho em que, depois do primeiro império medieval, o Sacro Império Romano da Nação Germânica, e depois do Segundo Império (Kaiserreich) criado por Bismarck e destroçado com a derrota militar em 1918, um Terceiro Império — o Terceiro Reich — surgiria sob a liderança de Adolf Hitler.

Comparado com outras sociedades européias, por exemplo, a francesa, britânica ou holandesa, o desenvolvimento do Estado na Alemanha mostra um número muito maior de rupturas e correspondentes descontinuidades.

A Revolução Francesa representou, certamente, uma ruptura na continuidade da tradição nacional. Mas, nessa altura, a língua e o habitus franceses eram já tão estáveis, em geral, que a continuidade do desenvolvimento manteve-se em muitos campos, apesar da ruptura com o Ancien Régime.

O caráter cortesão-aristocrático da língua francesa não se perdeu quando a burguesia francesa se tornou o grupo de poder que estabelecia modelos. É difícil ignorar a semelhança entre os romances de Proust e as memórias de Saint-Simon. Conheço poemas franceses do século XIX que lembram os grandes poetas da Pléiade no século XVI, mas que são, não obstante, criações inequívocas de seu tempo.

Os conflitos entre a classe média e os estratos da aristocracia de corte na Alemanha setecentista, que examinei demoradamente na primeira parte de O processo civilizador,4 constituíram a expressão de um verdadeiro conflito de classes.

Vastos círculos da classe média alemã conciliaram-se com o Estado militar e adotaram seus modelos e normas. Uma variedade particular de classe média entrou assim em cena: burgueses que adotaram o estilo de vida e as normas da nobreza militar como seus próprios.

Tratei a expansão de modelos militares em setores da classe média alemã de forma mais precisa porque acredito que o nacional- socialismo e o violento surto descivilizador que ele encarnou não podem ser completamente entendidos sem referência a esse contexto.

É bastante significativo em termos do padrão relativamente elevado de civilização da humanidade contemporânea o fato de, após duas implacáveis e destrutivas guerras em que a Alemanha lutou — em parte com uma pretensão de superioridade natural, racialmente determinada — a Alemanha Ocidental, pelo menos, poder levar uma vida razoavelmente normal como próspero Estado industrial.

Talvez se deva extrair dessa experiência a conclusão de que a percepção que temos de nós próprios como indivíduos independentes é falsa. Quer se queira ou não, um indivíduo é sempre membro de grupos. A língua que ele fala é uma língua de uso comum. É conjuntamente responsável, é-lhe atribuída responsabilidade conjunta pelas ações do grupo. Durante séculos, as igrejas fizeram meus ancestrais judeus responsáveis pela crucificação de Jesus. É muito útil perguntarmo-nos se não temos imagens depreciativas ou degradantes de outros grupos em nossa própria cabeça e se, quando encontramos indivíduos desses grupos, não procuramos involuntariamente a prova de que é correto o quadro estereotipado do grupo que temos em mente.

Um outro exemplo claro de orgulho nacional é visto nos Estados Unidos, onde, até agora, a transformação de imigrantes de todo o mundo em americanos tem sido surpreendentemente bem-sucedida. O serviço nas forças armadas, o culto da ban

Os destinos de uma nação cristalizam-se em instituições que têm a responsabilidade de assegurar que as pessoas mais diferentes de uma sociedade adquiram as mesmas características, possuam o mesmo habitus nacional. A língua comum é um exemplo imediato. Mas há muitos outros.

No primeiro capítulo deste livro, examino o duelo, que estava desenvolvido de uma forma deveras impressionante na Alemanha, como um excelente exemplo da influência de instituições na formação do habitus.

Escolhi o duelo como um símbolo de uma síndrome cultural específica. É um símbolo de uma determinada atitude humana, um incentivo socialmente regulamentado à violência.

Se perguntarmos como Hitler foi possível, não podemos deixar de concluir que a propagação de modelos de violência socialmente sancionados e da desigualdade social estão entre os requisitos preliminares do seu advento.

A questão central é como os destinos de uma nação ao longo dos séculos vêm a ficar sedimentados no habitus de seus membros individuais. Os sociólogos enfrentam neste caso uma tarefa que recorda, ainda que a uma boa distância, a tarefa a que Freud se dedicou. Ele tentou mostrar a conexão entre a conseqüência da canalização de pulsões dominadas por conflitos no desenvolvimento de uma pessoa e o seu habitus resultante. Mas também existem conexões análogas entre o destino e as experiências a longo prazo de um povo e seu habitus social em qualquer época subseqüente.

Muitas pessoas parecem ter a opinião tácita de que “O que aconteceu no século XII ou XV ou XVIII é passado — o que é que isso tem a ver comigo?”. Na realidade, porém, os problemas contemporâneos de um grupo são crucialmente influenciados por seus êxitos e fracassos anteriores, pelas origens ignotas de seu desenvolvimento.

O problema do passado é importante. Em muitos aspectos, ainda está inteiramente por resolver.

III Civilização e Violência

A civilização a que me refiro nunca está completa, e está sempre ameaçada. Corre perigo porque a salvaguarda dos padrões mais civilizados de comportamento e sentimento em sociedade depende de condições específicas. Uma destas é o exercício de autodisciplina, relativamente estável, por cada pessoa. Isto, por sua vez, está vinculado a estruturas sociais específicas. Estas incluem o fornecimento de bens — ou seja, a manutenção do habitual padrão de vida. Incluem também, sobretudo, a resolução pacífica de conflitos intra-estatais — isto é, a pacificação social. Mas a pacificação interna de uma sociedade também está sempre correndo perigo. Ela é ameaçada por conflitos tanto sociais quanto pessoais, que são atributos normais da vida em comunidade humana — os próprios conflitos que as instituições pacificadoras estão interessadas em dominar.

É costume perguntar-se como é possível que pessoas vivendo numa sociedade podem agredir fisicamente ou matar outras — como podem, por exemplo, tornar-se terroristas? Ajustar-se-ia melhor aos fatos e seria, assim, mais proveitoso, se a pergunta fosse formulada de modo diferente. Deveria, antes, ser redigida em termos como estes: Como é possível que tantas pessoas consigam viver normalmente juntas em paz, sem medo de ser atacadas ou mortas por pessoas mais fortes do que elas, como é hoje em dia o caso, em grande parte, nas grandes sociedades-Estados da Europa, América, China ou Rússia?

É por demais fácil esquecer hoje o fato de que jamais, em todo o desenvolvimento da humanidade, tantos milhões de pessoas viveram, como hoje, relativamente em paz umas com as outras, com as agressões físicas geralmente eliminadas, como se observa nos grandes Estados e cidades do nosso tempo.

Esse é exatamente o problema que tenho em mente, uma vez que tudo isso — cólera, ódio, inimizade, rivalidade — ainda está conosco, mas os ataques físicos, e até o homicídio, retrocederam, comparativamente falando, para segundo plano.

A questão de como ocorreu tal pacificação não é — pelo menos à primeira vista — difícil de responder. A criação de espaços sociais duradouramente pacificados está ligada à organização da vida social na forma de Estados. Um aspecto desse problema foi examinado pela primeira vez por Max Weber. Sublinhou ele que os Estados são caracterizados pelas pessoas que são seus governantes e que, em qualquer época dada, reivindicam para si mesmas o monopólio da força física. Isso significa que vivemos numa forma de organização social onde os governantes têm à sua disposição grupos de especialistas que estão autorizados a usar a força física em emergências e também a impedir outros cidadãos de fazerem o mesmo.

Tal como a descoberta do fogo permitiu que o alimento fosse cozido, assim como a destruição de cabanas e casas pelas chamas; tal como a invenção da metalurgia acarretou grande progresso na agricultura e na guerra; tal como a energia atômica pôde ter um uso pacífico como fonte energética e ser uma arma terrível, também as invenções sociais são bifrontes. O aparecimento de monopólios da força física constitui um exemplo. Sou obrigado a deixar de lado aqui esse aspecto do problema. Mas um ponto fica desde já claro: uma propriedade desse monopólio estatal da força física é que ele pode servir às pessoas como uma perigosa arma.

Dos faraós às ditaduras do presente, o controle sobre o monopólio da força tem sido usado por pequenos grupos estabelecidos como decisiva fonte de poder para garantir seus próprios interesses.

Entretanto, para aqueles que o controlam, essa não é a única função do monopólio estatal da força. Desempenha também uma função importante para populações reunidas na forma de Estados. Esse controle tem sido, até agora, uma condição essencial da pacificação interna de maiores unidades sociais, em especial da pacífica vida comunitária das maiores massas populacionais nos Estados industriais mais desenvolvidos — uma condição que, por sua vez, está intimamente ligada ao monopólio da tributação, uma vez que, sem tributação, não pode haver portadores de armas, as forças armadas ou a polícia, e sem forças armadas e polícia, nada de impostos.

A pacificação das pessoas como indivíduos, o fato de que, em conflitos, só muito raramente cogitamos atacar um adversário e começar uma briga, por muito zangados que estejamos, depõe a favor de uma profundamente arraigada transformação civilizadora da estrutura inteira da personalidade.

Que o tabu contra atos violentos esteja tão profundamente inculcado nos jovens das sociedades-Estados mais desenvolvidas tem muito a ver com a crescente eficácia do monopólio estatal da força. Com o decorrer do tempo, as estruturas da personalidade dos indivíduos acabaram ficando orientadas para isso. Eles desenvolveram uma certa relutância ou mesmo profunda aversão, um tipo de repugnância, em relação ao uso de violência física.

A pacificação do Estado, a coação imposta por outros, foi transformada em autocoação.

A situação é ainda mais complicada pelo fato de não existir monopólio da força no nível internacional. Nesse nível, estamos basicamente vivendo ainda tal qual os nossos antepassados do chamado período de “barbarismo”. Assim como, outrora, cada tribo era um constante perigo para as outras tribos, também hoje em dia, cada Estado representa um perigo constante para os outros Estados.

Um mecanismo de ameaça e medo recíprocos — chamo a isso um processo de dupla ligação — impele os Estados a tornarem-se mais fortes e mais poderosos do que outros, a fim de não serem por eles suplantados.5

Seria, penso eu, uma bela tarefa escrever a “biografia” de uma sociedade-Estado, por exemplo, a Alemanha. Pois, assim como no desenvolvimento de uma pessoa individual, as experiências de períodos anteriores de sua vida continuam tendo um efeito no presente, também as experiências passadas influem no desenvolvimento de uma nação.

Numa biografia da Alemanha seria imprescindível descrever como esse sentimento de fraqueza e de inferioridade de poder se converteu de súbito no seu oposto, quando o outrora escassamente integrado Estado veio, ainda que tardiamente, a unificar-se no contexto de uma guerra vitoriosa. No lugar dos sentimentos de inferioridade nacional, cujas raízes eram, com freqüência, muito profundas, surgiam agora os sentimentos fortemente enfatizados de grandeza e poderio nacionais.

Tal como em outros casos, também neste, um grupo previamente humilhado e oprimido transformou-se, com uma mudança em sua situação, num grupo arrogante e repressivo, ou, para usar a linguagem contemporânea, numa nação de senhores (Herrenvolk).

Não se pode entender completamente o desenvolvimento da Alemanha, nem a atitude atual quanto ao uso da força dentro da República Federal, sem ter em mente essa linha de desenvolvimento da posição da Alemanha no contexto interestatal e, correspondentemente, nas hierarquias de poder e status dos Estados. É impossível, neste caso, separar as linhas de desenvolvimento inter- e intra-estatais; de um ponto de vista sociológico, as estruturas intra-estatais e interestatais são inseparáveis, muito embora a tradição sociológica tenha envolvido até agora uma concentração, principalmente, e muitas vezes exclusivamente, nas primeiras. O desenvolvimento da Alemanha mostra, com particular clareza, como os processos entre e dentro do Estados estão indissoluvelmente interligados.

A vitória nacional sob a liderança de uma aristocracia de corte e militar significou, ao mesmo tempo, uma derrota social da burguesia alemã na luta interna contra a supremacia da nobreza e teve conseqüências da maior importância para as atitudes políticas e sociais da classe média alemã.

Ocorreu em outros segmentos da burguesia, sobretudo no alto funcionalismo civil e em todo o mundo acadêmico, a adoção de valores aristocráticos, a saber, os valores de uma classe com uma forte tradição guerreira e que estava orientada para a política das relações internacionais. Por outras palavras, setores da classe média alemã foram absorvidos pelos estratos superiores da sociedade e adotaram destes o ethos guerreiro.

Mas, ao ser adotado, esse código aristocrático foi transformado. Em poucas palavras, tornou-se “aburguesado”. Nos círculos aristocráticos, os valores militares, consubstanciados em símbolos conceituais como coragem, obediência, honra e disciplina, responsabilidade e lealdade, faziam usualmente parte de uma longa tradição familiar.7

Uma vez que os anseios de unificação tinham sido realizados através de guerras vitoriosas sob a liderança militar da aristocracia, foi aduzida a conclusão de que guerra e violência também eram bons e esplêndidos instrumentos políticos.8

Enquanto que, para muitos nobres, a guerra e as intrigas diplomáticas eram um ofício costumeiro, uma especialidade em que eles eram peritos, entre aqueles setores da pacífica burguesia que haviam assimilado o código guerreiro podia ser observada uma romantização do poder, uma literatura em que o poder ganho pela força apresentava-se sob formas embelezadas, como um valor altamente apreciado. Nietzsche, que participara por algum tempo na guerra de 1871, entre a Alemanha e a França, como enfermeiro voluntário, deu forma filosófica a essa ideologia da burguesia guilhermina, quase certamente sem ter consciência disso, em seu livro Vontade de potência. (Ver o apêndice 1 a esta parte, p.187-9).

O que pode ser considerado característico da situação da burguesia alemã, em 1912, é o fato de que esse tipo de brutalidade, sob uma nova luz, é apresentado expressamente como sinal de um código de comportamento aceito e digno de louvor.

A identificação mútua dos seres humanos, que foi talvez um tanto exagerada pelo idealismo dos autores clássicos, seria enfaticamente negada nesses mais recentes grupos, em favor de uma identificação exclusivamente nacional. Na guerra, as pessoas comuns do lado inimigo não precisavam mais ser tratadas como seres humanos. Essas pessoas não são mais do que “bestas selvagens e malignas”.

Muitos jovens alemães foram para os campos de batalha em 1914 com a idéia de que a guerra era algo maravilhoso, grandioso, um inenarrável momento de glória. Estavam impregnados de um sentimento de vitória certa,10 no qual se refletia a força de seus sonhos sobre a futura Grande Alemanha.

O inconcebível tornou-se um fato. A Alemanha exauriu sua energia e foi derrotada. O Kaiser e os príncipes perderam seus tronos. As cortes, centros da “boa sociedade” da Alemanha, desapareceram.

O fim do regime, e a destruição do país após a guerra perdida, aumentaram as oportunidades de chegada ao poder de grupos anteriormente à margem, em primeiro e destacado lugar, as organizações de trabalhadores.

Como sempre em tais casos, a ascensão de grupos marginais que costumavam estar em posições inferiores na escala social — um antigo fabricante de arreios foi o sucessor do Kaiser — foi sentida por muitos membros da “boa sociedade” alemã como uma insuportável ferida em seus sentimentos de auto-estima.

Não só revoluções, mas também guerras, trazem à luz mudanças estruturais em relações de poder, mudanças essas já em curso no tecido institucional tradicional, mas previamente encobertas por esse mesmo tecido. Uma guerra vitoriosa teria provavelmente garantido, uma vez mais, a subordinação das massas à liderança das classes vencedoras. A guerra perdida teve como efeito a redistribuição de forças que vinha ocorrendo silenciosamente sob a superfície do Estado imperial, estimulada pela rápida industrialização da Alemanha.

Tais casos de perda de poder por antigos sistemas institucionais em relação a novos grupos ascendentes desencadeiam acirrada resistência — um anseio nada realista de restauração da antiga ordem — não só por razões econômicas, mas também porque, através de tal perda de poder, os antigos estratos dominantes viram-se colocados no mesmo nível de poder e status daqueles grupos que eles antes desprezavam: grupos de baixa extração social, de menor valor humano, a ralé. Por conseguinte, sentiram-se diminuídos em sua própria auto-estima.

Havia nessa época uma idéia generalizada entre os membros dos círculos que seguiam a tradição do velho establishment guilhermino, de que a participação na liderança governante de grupos considerados de status social inferior subentendia um aviltamento deles próprios e, por conseguinte, também da Alemanha. Intitulavam-se a si próprios — e sentiam-se — “nacionais”, uma vez que se consideravam fundamentalmente os verdadeiros representantes da nação; e todos os “marginais”, sobretudo os trabalhadores com suas organizações e os grupos minoritários, como os judeus alemães, eram vistos como não pertencentes nem à sua própria sociedade nem à nação alemã.

Tal como a maioria dos terroristas na República Federal, os da Alemanha de Weimar também eram predominantemente oriundos de famílias de classe média. Eram, em sua grande maioria, jovens, e uma minoria de nobres.

A Revolução Russa desempenhou um grande papel a esse respeito — como modelo e como aterradora advertência.

O Partido Comunista tentou, evidentemente, transformar a excitação espontânea dos trabalhadores e as numerosas escaramuças e refregas locais, com os Freikorps ou o exército, numa ação militar organizada.

O equilíbrio de forças entre os dois grupos orientados para a violência na República de Weimar, entre os grupos de trabalhadores orientados para o modelo russo e os de oficiais de extração nobre e burguesa organizados nos Freikorps, era, reconhecidamente, muito desproporcional. A despeito de sua conduta e mentalidade freqüentemente mercenária, os Freikorps eram disciplinadas tropas de choque cujos membros estavam impregnados na tradição militar, desde que sua confiança fosse alimentada por líderes a quem não faltava, por vezes, uma certa dose de carisma. Contra eles estavam os grupos comparativamente indisciplinados que, embora fossem capazes, com freqüência, de oferecer luta imediata e espontânea, não se compraziam na disciplina militar a longo prazo, necessária à execução de planos estratégicos de batalha.

Os Freikorps levavam facilmente a melhor em suas refregas com os grupos de trabalhadores radicais, uma vez que também recebiam com freqüência o apoio do exército. Estavam não só melhor treinados mas, sobretudo, muito melhor armados que os grupos de combate dos trabalhadores.

Mas para a legitimação de sua própria existência, o perigo do bolchevismo era do maior significado para os Freikorps e o exército. Ao aludirem à Revolução Russa e ao perigo de sua expansão, não só os Freikorps e o exército, mas também muitas outras associações nacionalistas que se formaram nessa época, sem esquecer as organizações terroristas, puderam ganhar o apoio de inúmeros simpatizantes nobres e burgueses.

O êxito subseqüente de Hitler e, em especial, a inação dos Aliados a respeito do rearmamento da Alemanha, só podem ser entendidos como conseqüência da Revolução Russa; foi uma expressão da aversão universal de vastos setores da classe média, e até de consideráveis parcelas da classe trabalhadora, ao espectro do bolchevismo e à expansão da Revolução Russa como modelo para outros países.

Foi afirmado, de fato, não sem justificação, que a ascensão de Hitler ao poder dificilmente teria sido possível sem a contribuição organizacional e militar dos antigos membros dos Freikorps.

Salomon: “A palavra ‘avanço’, para aqueles de nós que fomos para o Báltico, tinha um significado misterioso, alegremente perigoso… o significado de uma camaradagem vigorosa… a dissolução de todos os vínculos com um mundo que está afundando, apodrecendo, com o qual o verdadeiro guerreiro não pode continuar a ter algo em comum”.24

Uma etapa característica do processo pelo qual as pessoas se tornam terroristas é ilustrado aqui com muita clareza. Eles sentem-se como proscritos em relação a uma sociedade que parece estar pobre até o âmago.

Aquilo com que essas pessoas estavam fundamentalmente sonhando era com a restauração do antigo mundo, ou seja, a restauração de um império alemão com um poderoso exército, e em cuja hierarquia de status o oficialato e os valores militares ocupariam de novo o alto lugar que lhes era apropriado

Sobreveio então o golpe que destruiu todas as esperanças. Aconteceu o impensável. Com autorização do governo, representantes seus assinaram o terrível tratado de paz que selou a humilhante derrota.

Sob a pressão da Entente e de acordo com os termos do tratado de paz, o governo de Berlim ordenou finalmente a retirada dos Freikorps do Báltico. Em face disso, muitos dos guerrilheiros rejeitaram sua obediência ao governo alemão.

Por fim, os desesperados guerrilheiros, com suas esperanças destruídas, enfureceram-se. Salomon, entre outros,30 descreveu o que aconteceu então. Uma vez mais, eles contra-atacaram — com fúria e desespero —, perdidos os últimos remanescentes de sua humanidade: “Desferimos a última estocada. Sim, erguemo-nos uma vez mais e avançamos, numa arrancada fulminante. Até o último homem, saímos todos para campo aberto e corremos na direção da floresta. Atravessamos correndo os campos cobertos de neve e penetramos na floresta. Chegamos atirando contra a multidão colhida de surpresa, golpeando, caçando, abatendo quem surgisse pela frente. Afugentamos os letões, como raposas correndo pelos campos, tocamos fogo em todas as casas, pulverizamos todas as pontes e derrubamos todos os postes telegráficos. Jogamos os cadáveres em poços e granadas de mão em cima deles. Matamos todos os que nos caíam em mãos, queimamos tudo o que podia arder. Víamos tudo vermelho, já não tínhamos qualquer sentimento humano em nossos corações”.

Se investigarmos as condições numa sociedade em que formas civilizadas de comportamento e de consciência começam a dissolver-se, veremos, uma vez mais, algumas das etapas desse trajeto. É um processo de brutalização e desumanização que, em sociedades relativamente civilizadas, requer um tempo considerável.

Se reconhecermos o curso de desenvolvimento dos Freikorps como um dos caminhos que levaram a atos de violência terrorista extra-estatal durante a República de Weimar, assim como aos atos de violência estatal na era de Hitler, então obteremos um grau de entendimento do longo período de acumulação e estruturação que precedeu os grandes atos de barbarismo que, no começo, eram quase invisíveis mas depois tornaram-se mais óbvios, como se tivessem brotado do nada.

Entregaram-se à tarefa de destruir um mundo que lhes negava qualquer significado e que, portanto, lhes parecia ser ele próprio destituído de significação

Hitler teve êxito onde os líderes dos Freikorps falharam: na destruição total do regime parlamentar de Weimar.32 Teve êxito, em grande parte, porque se esforçou por mobilizar vastos setores das massas através do uso de propaganda extraparlamentar.

Hitler, o segundo cabo, rompeu as barreiras elitistas do movimento de oficiais e estudantes e transformou-o num vasto movimento popular sem as restrições elitistas que impediam sua disseminação entre as massas. Ser membro da “raça alemã” abriu a porta a muito mais gente do que a mera pertença à “boa” sociedade nobre e burguesa e, na juventude, ao oficialato ou às associações estudantis.

O sentimento de estar encarcerado num sistema social que tornava muito difícil para as gerações mais jovens encontrarem oportunidades para um futuro pleno de significado.

Essa motivação fundamental tem sido discernível repetidas vezes no testemunho dos movimentos extraparlamentares, desde a década de 1960 até o presente. Mas usualmente permanece mais periférica. Desaparece com freqüência atrás de um véu de marxismo ou seus derivados. Em minha opinião, entretanto, é uma motivação central. Obstrui-se a visão de um problema social muito sério do nosso tempo quando não se reconhece isso.

Há um pressuposto tácito nas sociedades industriais multipartidárias de hoje que impede a percepção desse problema. De acordo com esse pressuposto, as sociedades em questão encontram-se construídas de tal modo, que toda e qualquer pessoa pode encontrar uma tarefa significativa e gratificante na vida, desde que ele ou ela se esforce ao máximo por consegui-la. Isso é falacioso. Existem fases distintas nessas sociedades em que os canais para a mobilidade ascendente das gerações jovens e vindouras são relativamente numerosos e abertos, e outras em que são limitados e restritos

Para os jovens oriundos da classe média, especialmente os jovens estudantes, a questão do futuro: “O que virei a ser? Que forma devo dar à minha vida?”, é usualmente uma indagação central e muito urgente. O desejo de um futuro que seja significativo para a pessoa, que ela sinta ser gratificante, é mais forte e, por conseguinte, a busca de significado mais consciente.

Se um considerável número de jovens teve sufocadas suas oportunidades de expressão, como ainda hoje ocorre com freqüência, então existe uma emergência na sociedade, um potencial explosivo que, sob condições favoráveis encontrará repercussão, repetidas vezes, em movimentos que se colocam em pronunciada oposição às instituições políticas estabelecidas.

Como reação à lembrança traumática da desumanidade do período de Hitler, um ethos muito acentuado de resistência à desigualdade, à opressão, à exploração e à guerra, e a favor de um novo tipo de decência entre os seres humanos, passou a ser aceito pelas pessoas mais jovens.

Mas quer isso aconteça ou não, podemos admitir com uma certa dose de certeza que o problema de significado para as gerações mais jovens, o qual se expressou no movimento terrorista, entre outros, far-se-á sentir repetidamente, mesmo em atos de violência, enquanto as pessoas não se esforçarem, de um modo muito mais intenso e consciente, para melhorar.

IV O Colapso da Civilização

O fato de que os nacionais-socialistas tinham feito os judeus sofrer diabolicamente não era desconhecido. Mas, antes do julgamento de Eichmann, a enorme capacidade humana para esquecer coisas dolorosas, sobretudo se aconteceram a outras pessoas relativamente impotentes, já tinha começado a fazer seu trabalho. A lembrança de como um Estado moderno tinha desejado exterminar uma detestada minoria estava se esvaindo aos poucos do espírito das pessoas. O julgamento de Jerusalém reativou a memória, colocando uma vez mais em foco, de modo abrupto, os crimes nazistas.

Concomitantemente, voltaram muitas questões que essa lembrança provoca. Como era possível que pessoas pudessem planejar e executar de um modo racional, até mesmo científico, um empreendimento que parecia ser uma reversão ao barbarismo e selvajaria de passadas eras

Uma análise mais detalhada leva-nos a concluir que o principal problema pelo homicídio em massa, em nome de uma nação, de homens, mulheres e crianças de um grupo estranho, não reside no ato em si mas, antes, em sua incompatibilidade com os padrões que passaram a ser considerados as marcas distintivas das sociedades mais altamente desenvolvidas do nosso tempo.

Em vez de se ficar consolado com a idéia de que os eventos recordados pelo julgamento de Eichmann foram exceções à regra, seria mais proveitoso investigar as condições nas civilizações do século XX, as condições sociais, que propiciaram barbarismos desse gênero e que poderiam favorecê-los de novo no futuro. Não se pode deixar de pensar: com que freqüência devem repetir-se tais horrores, antes que tenhamos aprendido como e por que eles acontecem, e antes que pessoas poderosas estejam aptas e dispostas a aplicar tal conhecimento a fim de impedi-los?

O julgamento de Eichmann ergueu momentaneamente o véu que encobre o lado mais sombrio de seres humanos civilizados. Vejamos o que é que foi revelado.

A principal investida, nesse período, não tinha sido dirigida contra as vidas dos judeus mas, antes, contra as bases de suas rendas e empregos. Os nazistas tinham procurado então, sobretudo, despojar os judeus da maior parte de seus bens e haveres — firmas comerciais e industriais, casas, depósitos bancários, jóias, obras de arte etc. — e expulsá-los de todas as atividades profissionais que pudessem mantê-los em contato com a população não-judaica.

É claro, como ocorre no caso de qualquer transferência forçada de bens e ocupações de um grupo social para outros, houve certamente famílias alemães que obtiveram ganhos diretos em conseqüência desse ataque. Um número consideravelmente maior deleitou-se com a humilhação dos judeus, e ainda outros derivaram daí a esperança de um futuro melhor.

A decisão da elite nacional-socialista no poder foi mantida sob o mais rigoroso sigilo. Para a sua implementação, a responsabilidade foi confiada ao Departamento de Assuntos Judaicos. Foi dirigido de 1940 a 1945 pelo tenente-coronel (Obersturmbannführer) Karl Adolf Eichmann.

Não existiam modelos para o assassinato organizado de vários milhões de pessoas desarmadas. Foram precisos muitos experimentos e idéias antes que se descobrissem métodos mais eficazes e econômicos para efetuar a matança.

A polícia secreta pertencia ao domínio oficial de Himmler, era um órgão central das SS, o principal suporte de seu poder. Desde o começo, os líderes SS tinham sido os defensores de uma agressiva ortodoxia nacional-socialista. A decisão de matar os judeus, tomada pelo próprio Hitler, foi vigorosamente apoiada por eles.

Além disso, o extermínio planejado dos judeus ou, para citar o seu nome oficial, “A Solução Final do problema judaico”, tinha sido sempre um dos objetivos dominantes de Hitler.

Para se cumprir a meta de total aniquilamento, necessitava-se de uma técnica mais limpa, menos pública e menos acidental de assassinato em massa.

Assim, além dos métodos militares mais antigos de fuzilamento e várias outras formas de violência física direta, os mais altos funcionários nos setores responsáveis da Gestapo desenvolveram um novo método menos embaraçoso e confuso de matar, o qual, adequadamente organizado, requeria apenas um mínimo de força direta e que tornava possível, girando uma válvula, matar simultaneamente centenas de pessoas, e permitia aos próprios funcionários orientar e supervisar todo o procedimento a uma certa distância. Essa foi a matança em câmaras de gás.

Comparada com os progroms e os procedimentos militares, essa nova forma de extermínio significou um avanço da racionalização e da burocratização.

Já em 1925, no Mein Kampf, Hitler, que tinha sido ele próprio vítima de ataques com gases na I Guerra Mundial, recomendara o uso de gases para a morte em massa de judeus.

Por meio das câmaras de gás, a destruição dos judeus de toda a Europa ocupada pôde ser acelerada. Podia concentrar-se em poucos locais, logo facilitando as tarefas de controle administrativo.

Levou algum tempo até que — somadas às técnicas materiais — adequadas técnicas administrativas fossem também desenvolvidas para o assassinato bem regulamentado de centenas de milhares de pessoas. Essas dificuldades administrativas, entre elas até a questão de quem devia ser tido na conta de judeu, foram finalmente resolvidas numa conferência convocada pelo representante de Himmler em janeiro de 1942. Foi nessa reunião que se estabeleceram as diretrizes finais para o extermínio dos judeus.

Dificilmente qualquer outro exemplo mostra a vulnerabilidade da civilização com tanta clareza, ou nos lembra com tanta força os perigos dos processos contemporâneos de crescimento e o fato, não só de que os processos de crescimento e decadência podem andar de mãos dadas, mas os últimos também podem predominar em relação aos primeiros.

Até então, porém, as guerras européias tinham sido sempre regressões relativamente limitadas. Certas regras mínimas de conduta civilizada ainda eram geralmente observadas, até no tratamento de prisioneiros de guerra. Com raras exceções, um núcleo de dignidade pessoal, que impede a tortura absurda de inimigos e permite a identificação com o próprio inimigo como sendo, em última instância, um outro ser humano, somada à compaixão por seu sofrimento, não desapareceram inteiramente.

Na atitude dos nacional-socialistas em relação aos judeus nada disso sobreviveu. Pelo menos num nível consciente, o tormento, sofrimento e morte de judeus não parecia significar para eles mais do que a eliminação de moscas.

O ataque dos nacional-socialistas contra os judeus carecia quase inteiramente da reciprocidade que, de acordo com as atuais concepções, fornece um elemento de realismo à inimizade e às matanças de grupos durante uma guerra.

Seu ódio em relação aos judeus era, nessa altura, um ódio não correspondido. Para a maioria dos judeus teria sido difícil explicar por que os alemães os tratavam como se fossem os seus piores inimigos.

A utilidade militar dos progroms e das câmaras de gás era absolutamente nula.

A decisão de implementar a “Solução Final do problema judaico” não tinha nenhuma base, do gênero que estamos habituados a descrever como “racional” ou “realista”.

Era tão-só uma questão de cumprimento de uma crença profundamente arraigada que tinha sido central para o movimento nacional-socialista, desde o começo. De acordo com essa crença, a grandeza presente e futura da Alemanha e de toda a “raça ariana”, da qual o povo alemão era a suprema encarnação, exigia “pureza racial”; e essa “pureza” biologicamente concebida exigia a remoção e, se necessário, a destruição de todos os grupos humanos “inferiores” e hostis que pudessem contaminar “a raça”, sobretudo todas as pessoas de cepa judaica.

Hitler e seus seguidores nunca esconderam o fato de que consideravam os judeus os piores inimigos deles e da Alemanha. Para isso não precisavam de qualquer prova específica. Sua convicção era simplesmente a de que isso tinha sido determinado pela natureza, pela ordem mundial e seu criador.

Pôr fim à conspiração da raça judaica era, com freqüência, o objetivo declarado de Hitler e do movimento nacional-socialista.

Assim, não é difícil responder à questão por que em 1939 foi iniciado o caminho que levaria ao assassinato de todos os judeus.

Hitler e seus seguidores nunca tinham feito segredo de sua inimizade total e irrevogável para com os judeus ou de seu desejo de os destruir.

O que é mais surpreendente é o fato de que, por largo tempo, apenas algumas pessoas e, sobretudo, apenas meia dúzia de estadistas das principais potências mundiais fossem capazes de imaginar que os nacional-socialistas poderiam pôr um dia em prática o que tinham anunciado.

Em última análise, concluir-se-á que o assassinato em massa de judeus não serviu a nenhuma finalidade que pudesse ser qualificada de “racional” e que os nacional-socialistas foram levados a isso, sobretudo, pelo vigor e o caráter inabalável de sua própria crença. É precisamente aí que reside a lição a ser extraída dessa experiência.

A tentativa dos nacional-socialistas de destruir os judeus foi um dos mais impressionantes exemplos do poder que uma crença — neste caso, uma crença social ou, mais propriamente, nacional — pode exercer sobre as pessoas.

Foi para essa possibilidade que, nas décadas de 1920 e 1930, muitas pessoas, dentro e fora da Alemanha, não estavam preparadas. Seu equipamento conceitual levou-as a nutrir a idéia de que grupos humanos — em especial grupos de pessoas investidas de poder, incluindo os governantes e estadistas do mundo — por mais fantásticas que fossem suas crenças professadas, acabariam sempre, a longo prazo, por orientar-se para a dura “realidade”, para os seus chamados “interesses reais”.

É evidente que algo estava muito errado num modo de pensar que tinha bloqueado o discernimento de que atos selváticos e mortes podiam, de fato, ser perpetrados por um movimento nacionalista, em cujo programa o uso de violência e a destruição total dos inimigos tinham total preponderância, e cujos membros enfatizavam incessantemente o valor da crueldade e do morticínio.

Os contemporâneos não conceberam, pois, a civilização como uma condição que, para ser mantida ou aperfeiçoada, requer um esforço constante, baseado num certo grau de entendimento do modo como funciona. Em vez disso, tal como a sua “racionalidade”, consideraram-na um de seus próprios e indiscutíveis atributos permanentes, um aspecto de sua superioridade inata: uma vez civilizado, para sempre civilizado.

Quando membros de grupos tribais como os Mau Mau no Quênia se unem numa crença que exige o assassinato de outros, as pessoas estão inteiramente preparadas, pelas crenças que nutrem a respeito deles, para a possibilidade de que eles façam o que dizem e, por conseguinte, tomam as apropriadas medidas defensivas. Quando os membros das sociedades industriais mais avançadas, como os nazistas, se unem numa crença não menos bárbara, as pessoas são levadas por sua herança conceitual a sentenciar que eles têm uma “ideologia” e que nunca agirão tão brutalmente quanto dizem.

Hitler e sua gente foram classificados como “agitadores”, que usavam os judeus em sua propaganda como “bodes expiatórios”, sem que, no entanto, acreditassem necessariamente em tudo o que diziam a respeito deles. “No fundo”, tais comentaristas pareciam sugerir, “esses líderes nazistas sabem tão bem quanto nós que muita coisa que dizem é pura besteira. Quando a coisa fica séria”, era o pressuposto implícito, “essa gente pensa e comporta-se exatamente como nós. Eles precisam simplesmente de todo esse palavreado de propaganda para chegar ao poder. Essa é a razão por que agem assim.” A crença era vista como um meio para um fim racional. Era concebida simplesmente como um instrumento que a liderança nazista desenvolvera a fim conquistar o poder. E o objetivo de conquistar o poder apresenta-se como um objetivo eminentemente “racional” aos olhos das pessoas de todo o mundo que detêm o poder.

Se um credo social era desumano, imoral, revoltante e comprovadamente falso, pensavam que não podia ser sincero: era um objetivo artificial, postiço, de líderes ambiciosos que queriam conquistar uma massa de seguidores para seus próprios fins ulteriores.

Talvez essas pessoas estivessem vagamente conscientes de que o movimento nacional-socialista tinha como seus principais líderes homens de escassa educação. Mas tudo indica que não se davam plenamente conta do fato de que Hitler e seus mais íntimos colaboradores acreditavam profundamente na maioria das coisas que diziam.

Entre os fatores mais ou menos superficiais na ascensão do movimento nacional-socialista estavam as peculiares características sociais de sua elite. A maioria dos líderes do partido era, de fato, “semi-educada”. Eles eram — e isso não era incomum, em absoluto, para um movimento desse tipo — proscritos ou fracassados na antiga ordem, freqüentemente devorados por uma ambição ardente que os tornava incapazes de suportarem suas deficiências e de as admitirem para si mesmos. O sistema de crenças nazistas, com sua rala camada de verniz pseudocientífico espalhada sobre uma primitiva e bárbara mitologia nacional, foi um dos mais extremos sintomas do crepúsculo moral e intelectual em que eles viviam.

Não era incompatível com a fervorosa crença de Hitler na verdade fundamental do credo que professavam o fato de que ele e seus auxiliares eram mestres da dissimulação e da divulgação de mentiras deliberadas, que suas pregações continham uma forte dose de ódio, impostura e hipocrisia. De fato, o nacional-socialismo combinou muitos dos traços de um movimento religioso com os de um partido político. Vê-lo como tal, como um movimento que assenta numa crença sinceramente sustentada, é uma das primeiras condições prévias para entender o que aconteceu. O movimento começou como uma seita. Seu líder acreditou, desde o começo, em sua missão messiânica, em sua missão de salvador da Alemanha. Muitos de seus membros também acreditavam nisso. E, transportados milagrosamente para o topo, no auge de uma prolongada crise, tornou-se absoluta e inabalável a certeza de que suas crenças eram verdadeiras, seus métodos justificados e o êxito de sua missão predestinado.

Pode-se entender melhor por que tantas pessoas “educadas”, criadas na pressuposição básica de que o comportamento civilizado continuaria em sociedades européias, sem qualquer esforço por parte delas, estavam tão mal preparadas para o iminente colapso dessa civilização, se atentarmos para algumas das condições na Alemanha que deram ao nacional-socialismo sua grande oportunidade.

Em conversas, é freqüentemente levantada a questão do porquê do ressurgimento mais forte de barbarismo numa nação-Estado altamente industrializada ter acontecido logo na Alemanha?

A resposta tem de ser procurada na direção, que inadequadamente descrevemos através do conceito “histórico” — ou seja, na direção de um processo sociológico, em termos do desenvolvimento da Alemanha como sociedade.

Interesses e crenças nacionais, em particular, criam — por causa de sua exclusividade, a frente comum contra estrangeiros (em especial contra os arqui-inimigos do momento) — um vínculo entre todos os membros individuais e todas as seções de um Estado-sociedade.

Por outras palavras, os credos nacionais cimentam uma unidade de conduta e de sentimento entre as minorias governantes, sejam elas quais forem, e a grande massa daqueles cujo acesso às posições mais elevadas e mais poderosas em seus países se encontra geralmente bloqueado. Através de sua adoção dessas doutrinas, a maioria menos poderosa identifica-se com os círculos governantes, que funcionam como seus representantes em relação a outras nações e tomam a maior parte das decisões nesse campo. Ela identifica-se com os seus senhores.

Mesmo que uma pessoa se sinta oprimida, a vontade e a capacidade para trabalhar por uma redução ou o fim da opressão são paralisadas através da identificação com ideais nacionais e com as pessoas que os encarnam

O envolvimento do orgulho nacional na defesa e proteção de valores coletivos cujos principais porta-vozes e intérpretes têm também a função de governantes impede a capacidade de lutar de forma efetiva contra a opressão.

O Estado nacional-socialista foi a mais recente encarnação de uma tradição sumamente opressiva e tirânica de crença e comportamento, na qual era habitual exigir e esperar que, em tempos de crise nacional, os indivíduos se subordinassem de maneira incondicional — e mais incondicionalmente que em qualquer outro país — ao comando do Estado, que cumprissem o seu dever para com a “pátria”, sem olhar às conseqüências para si mesmos e para o futuro, mesmo que isso significasse sua própria queda ou uma catástrofe nacional.

Todos esses horrores aconteceram com a aprovação da única autoridade que, para muitos alemães, tomou o lugar de uma consciência, ou seja, o Führer.

“O imperativo categórico de ação no Terceiro Reich”, escreveu um dos mais altos funcionários do Estado hitlerista, Hans Frank, Reichsminister e governador-geral da Polônia ocupada,11 “é este: aja de um modo tal que o Führer, se tivesse conhecimento de sua ação, a aprovaria.”

As apreensões, os rebates de consciência que possam ter tido individualmente quando chegaram a seus ouvidos que homens, mulheres e crianças estavam sendo terrivelmente tratados e assassinados em campos de concentração, foram rapidamente suprimidos e semi-esquecidos. Habituados a confiar, para reforço de suas consciências, nos representantes do Estado, sentiam-se profundamente perturbados por qualquer conflito entre o padrão de controle pelo Estado e o de controle pela consciência. Por isso se esforçaram por apagar automaticamente qualquer evento que ameaçasse gerar tal conflito. Não o admitiam — não queriam tomar conhecimento dele. Mais tarde, perguntava-se com freqüência: “Mas você deve ter ouvido falar do que estava acontecendo nos campos de concentração, não é verdade?” A resposta era sempre a mesma: “Eu não sabia.”

O controle do Estado suplantou o controle da consciência.

Os campos de concentração não só retiraram inimigos reais e imaginários de seu campo potencial de atividade, mas também contribuíram imensamente para a intimidação da população restante.

Na própria Alemanha sentia-se freqüentemente que nenhuma resistência contra a opressão nazista era possível, porque as medidas tomadas pelo regime contra qualquer possível oposição ou revolta eram sumamente eficazes e abrangentes.

Mesmo quando as tropas inimigas já tinham penetrado nas fronteiras alemãs do leste e do oeste, e estavam avançando impetuosamente rumo às regiões centrais do país, a vasta maioria dos alemães continuou obedecendo incondicionalmente às ordens das autoridades do Estado e do partido, enquanto elas ainda conseguiam chegar-lhes ao conhecimento.

Por certo, isso devia-se em certa medida ao fato de que, ao final, Hitler, e somente Hitler, parecia permanecer aos olhos de muitos alemães entre eles e o total aniquilamento.

Um dos maiores talentos de Hitler — e um dos principais fatores de seu sucesso — era o seu entendimento intuitivo, emocional, das necessidades que um líder dos alemães e sua equipe tinham de satisfazer numa situação crítica. Suas próprias necessidades emocionais correspondiam às dos seus seguidores.

Ele desempenhou o papel de chefe de Estado de um modo tão convincente, que foi gradualmente aceito como tal pela vasta maioria do povo alemão. Por outras palavras, foi aceito pelos alemães como complemento e representação da própria consciência deles e como encarnação simbólica do próprio “nós-ideal” deles.

Hitler satisfez a necessidade de um homem a quem os alemães pudessem submeter-se cegamente, que retirasse magicamente o fardo de responsabilidade dos ombros deles e o colocasse sobre os seus próprios, que se responsabilizasse por todos os desejos e esperanças nacionais, toda a ânsia de um fim para a humilhação da Alemanha, de uma nova grandeza, de uma nova potência.

Não é figura de retórica, mas simples constatação de um fato que Hitler, na Alemanha, tinha uma função e características semelhantes às de um pajé, de um xamã, em agrupamentos tribais mais simples. Restituía a confiança a um povo angustiado e sofredor prometendo dar-lhe tudo o que ele mais queria, assim como o xamã promete a um povo ameaçado de fome e sede por um longo período de estiagem que fará chover. E à semelhança de um chefe tribal, exigia sacrifícios materiais e humanos.

Por muito que teatralizasse e mentisse, ele também era completamente sincero em sua crença de que fora chamado a renovar a grandeza da Alemanha e talvez a dominar a Europa, se não o mundo inteiro.

Hitler foi, em essência, um inovador xamã político.

O fato de que o moral do povo alemão se manteve inalterado durante toda a guerra, apesar de tantos choques e dúvidas, mostra com que firmeza ele estava ligado ao feiticeiro supremo e seus acólitos — não apenas por coerção externa mas também por suas próprias necessidades e crenças.

Ao mesmo tempo, porém, os atos mágicos e as crenças míticas também contribuem para a preservação e a renovação das próprias condições que criam a necessidade deles, as condições de impotência e ignorância humanas em face de eventos ameaçadores.

Hitler e a fé nazista ajudaram a reproduzir e a reforçar as próprias incertezas contra as quais eles pareciam ser, aos olhos de seus adeptos, uma proteção.

Talvez se compreenda melhor a posição dessas pessoas, se escutarmos as suas próprias e autênticas vozes. Os seguintes excertos de cartas de civis para as frentes de batalha, as quais foram escritas no verão de 1944, podem ajudar a elucidar alguns dos problemas que foram examinados até aqui em termos mais gerais.

Excertos de cartas:

É uma pena que você já não esteja mais por dentro das coisas como antes. Mas as notícias do atentado contra a vida do nosso Führer terão provavelmente chegado aos seus ouvidos. E também espero que isso seja um bom sinal de uma virada decisiva no rumo dos acontecimentos. O dr. Goebbels falou a noite passada na rádio

A nossa querida pátria alemã está em grande perigo, atacada por todos os lados. E no dia 20 de julho aconteceu a pior coisa que se poderia imaginar — pessoas chegadas ao nosso amado Führer tentaram assassiná-lo. Mas Deus Todo-Poderoso não quis que tivessem êxito e estendeu Sua proteção sobre ele, que sofreu apenas leves ferimentos

Graças a Deus, nada aconteceu ao Führer. Mais do que nunca, é agora que devemos ficar desafiadoramente a seu lado.”13 Mas a confiança em que, apesar de tudo, a nossa liderança e os nossos exércitos conseguirão deter a investida permanece inabalável.

Mas se me lembro da nossa grande inflação no passado, esses preços, realmente, não são nada. Porque naquela época tínhamos de pagar um milhão por um pão, um número que hoje em dia ninguém mais precisa escrever. E isso teria certamente acontecido de novo se o atentado contra a vida do Führer tivesse tido êxito.

Provavelmente não teríamos mais guerra, se eles tivessem sido bem-sucedidos, mas em vez disso teríamos a ocupação, guerra civil e bolchevismo. Não posso imaginar que ainda exista gente que não enxerga isso e, sobretudo, que não tenham aprendido nada com a última Grande Guerra.

30.7.44 … A situação aqui está começando agora a ficar realmente séria — o meu otimismo começa a vacilar — eles estão quase em Varsóvia e no Báltico as coisas tampouco estão cor-de-rosa — Estou agora francamente curiosa sobre se eles nos expulsarão daqui!

A guerra deve chegar ao fim em algum momento. Mas, querido Franz, eles estão avançando em toda a frente, na Prússia Oriental estão em nossos campos, estamos recorrendo às nossas últimas reservas. Ah, se eles conseguissem deter os russos, essa é a nossa preocupação. Não podemos criticar os nossos queridos soldados — a culpa cabe toda ao comando — pois estão dando o máximo de seu esforço. Aperta o coração quando lemos tantas vezes como eles estão lutando por sua pátria.

Nestas redondezas, todas as mulheres foram convocadas para o serviço militar… sem consideração de profissão ou status, todas entre os 15 e os 50 anos… A ordem chegou num dia e no dia seguinte tinham que partir.

Estes excertos de cartas fornecem-nos uma idéia dos pensamentos e sentimentos de pessoas comuns numa época em que o curso efetivo dos acontecimentos estava tornando cada vez mais improvável que a guerra pudesse ser ganha e a derrota evitada.

Como a população de muitas outras nações, se bem que, talvez, com maior veemência e menos capacidade crítica do que a maioria, os alemães tinham acreditado nas promessas de seus líderes.

Conclusão

Dois conjuntos de fatores contribuíram, mutuamente, para o grave colapso de civilização associado ao nome de Hitler e do nacional-socialismo: as peculiaridades do desenvolvimento a longo prazo da Alemanha e as características específicas da etapa que o país tinha então alcançado nesse processo. Entre as primeiras deve-se considerar, em primeiro lugar, o padrão excepcionalmente perturbador do desenvolvimento alemão a longo prazo, o lento declínio que fez do há muito perdido Reich um símbolo da grandeza da Alemanha e de sua suposta restauração o supremo objetivo para o futuro, e depois a tradição autocrática quase unilinear que dotou a maioria dos alemães de uma consciência relativamente fraca e dependente em questões de natureza pública.

Além disso, havia as causas imediatas. Entre elas, um papel central foi desempenhado pelo conflito entre, por um lado, as aspirações herdadas e a auto-imagem nacional dos mais poderosos grupos alemães e, por outro, a renovada perda de poder alemão depois de 1918. A crise em torno de 1930 levou esse conflito ao seu auge.

Que um homem como Hitler, e um movimento como o nacional-socialismo chegassem ao poder na Alemanha foi sintomático de tal situação.

A percepção de que a posição da Alemanha, entre as nações do mundo, enfraquecera, tinha de ser evitada a todo o custo. Hitler, o talentoso xamã, com seu símbolo mágico, a suástica, invocou uma vez mais para as massas alemãs a fata morgana de um superior Reich alemão.

“Choque da descoberta” — o choque que toda a nação poderosa e, de um modo mais geral, toda a formação social poderosa sente quando seus membros não podem mais evitar o reconhecimento de que seu antigo poder e superioridade estão irremediavelmente perdidos.

Os nazistas reviveram entre os alemães a crença de que ainda eram uma potência de primeira categoria e dispunham dos recursos necessários, de que, como os imperadores medievais, os senhores da Alemanha dominariam vastas regiões da Europa.

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