Introdução
Alguns autores inclusive chegaram a pensar que com
a modernização da sociedade a religião poderia decrescer ou até desaparecer. A
este conjunto de mudanças pelo qual a religião perde sua relevância social, ideológica
e institucional é o que genericamente chamamos secularização.
A religião, em vez de desaparecer, como haviam
sugerido diversas vozes desde o século XIX, não somente resistia nas suas
diversas formas, como também começava a se assistir com assombro um intenso e
extenso surgimento de novos movimentos religiosos.
Um breve relato deste debate sociológico é o que
apresentaremos a seguir, a fim de refletir, a partir de uma perspectiva
ideológica, a utilidade ou não do conceito de secularização para explicar a
atual efervescência religiosa.
A teoria da
secularização em debate
Modernidade: trata-se de um processo
sócio-histórico complexo e multidimensional – original da Europa Central –,
caracterizado fundamentalmente por uma visão de mundo descentrada, profana e
pluralista.
Também se podem mencionar, como características
típicas da modernidade, a primazia da razão instrumental, o individualismo, a
compreensão otimista da história como progresso.
A modernidade implica uma alteração do papel
central desempenhado pela a religião em sociedades tradicionais, como elemento
legitimador e integrador, dando sentido e articulando as diferentes esferas
sociais. Este processo, usualmente conhecido como “processo de secularização”,
foi lido por diversos teóricos (Comte, Spencer, Marx) como uma dinâmica de
emancipação cujo fim levaria a uma sociedade “sem religião”.
Durkheim e Weber: para ambos os autores, mesmo que
a religião fosse perdendo sua influência social, também ficava mais ou menos
claro que não estava necessariamente condenada a desaparecer, mas sim a
transformar-se, desfazendo-se de algumas fórmulas mágicas e adotando outras
novas.
“Tese dura ou forte da secularização” e seria
concebida como um processo lento e inexorável a caminho do fim da religião; a
segunda, ou seja, a “tese suave da secularização” afirmará que se trata de um
processo pelo qual a religião sofre severas alterações na modernidade, mas
persiste disseminada.
Peter Berger e Thomas Luckmann deram um novo impulso
à reflexão sociológica sobre a secularização ao constatar, desde diversos
ângulos, os limites e as insuficiências da chamada “tese dura”.
Berger advertia que esse fato possibilitava um pluralismo
religioso, desmonopolizando as tradições religiosas hegemônicas, colocando-as
em concorrência umas com as outras, mas não eliminando-a.
Luckmann provou como a religião, em vez de se
destruir, transformava-se influenciada pela estrutura simbólica e social na
qual tinha lugar.
Críticas à teoria da secularização: uma teoria
complexa de mudança social deve se correlacionar a uma teoria complexa da secularização.
ignorar isto leva a afirmações igualmente simplistas quando se faz referência
ao surgimento de novos movimentos religiosos
Se por secularização entende-se o processo pelo
qual a religião tende a desaparecer inevitavelmente nas sociedades modernas,
vários fatos históricos e a discussão sociológica mostraram que tal afirmação é
insustentável.
Secularização:
um paradigma multidimensional
José Casanova refere-se à secularização como um
paradigma no qual distingue três diferentes propostas:
a) secularização como diferenciação estrutural e
funcional (emancipação) das esferas seculares com respeito às instituições e às
normas religiosas
b) secularização como declínio nas crenças e
práticas religiosas
c) secularização como marginalização da religião à
esfera privada
Pós-modernidade
e religião: secularização ou ressacralização?
Desde o último terço do século XX tornou-se lugar
comum falar da “crise da modernidade”. Com essa expressão procura-se sinalizar
o mal-estar generalizado que experimenta o homem comum (por exemplo, na
desorientação e nas incertezas perante os valores) em relação ao sistema
econômico e ao espaço político.
Para os críticos sociais (sendo Habermas seu maior
representante, incluindo também Claus offe, Alain t ouraine e Anthony giddens),
as contradições e as incertezas inerentes a esta nova situação, mais do que
apontar para o fim da modernidade, como assinalaram os pós-modernos, indicam
que assistimos à radicalização daquelas tendências e tensões ambivalentes que
já estavam presentes.
Observa-se um crescimento explosivo na diversidade
religiosa. Todas essas expressões religiosas compartilham de uma ou outra forma
o “espírito” da “modernidade radicalizada”: desconfiança ante a racionalidade contemporânea,
pretensão de ruptura ante as práticas e as formas religiosas institucionais
herdadas e de forte carga “emocional” e individual, exceto alguns fundamentalismos
(Hervieu-Leger, 1987, pp. 221-222).
O que observamos é uma radicalização da
“diferenciação” vislumbrada por Weber dentro das próprias crenças e das novas
formas religiosas.
Essa situação peculiar é o que possibilita compreender
a constante disseminação da religião nos interstícios das esferas públicas e
privadas, assim como o surgimento cada vez maior de uma religiosidade de bricolagem,
de uma “religião à la carte”, desenhada de acordo com preferências individuais,
mais do que seguindo a lógica e a coerência de um sistema doutrinal.
Portanto, a vitalidade dessas formas emocionais de
religião não nega a teoria da secularização, já que agora, mais do que antes, a
proliferação de grupos religiosos, a competição entre eles e a precariedade de suas
adesões e crenças debilitam qualquer pretensão de tornar a instituição
religiosa um fator de coesão social (Idem, pp. 13-15). Em suma, a secularização
instalou o “reino do fragmento” (pluralismo) entre as próprias instituições
religiosas, as quais vivem um processo inevitável de relativização. os
indivíduos, por sua vez, veem-se condenados a escolher e a flexibilizar as
crenças.
Essa condição inédita da religião na modernidade
tardia é o que Martelli chama de “desseculari-zação”, em vez de
ressacralização.
o processo de dessecularização coexiste com o
processo de secularização, isto é, mantém-se a emancipação de diversas
instituições da tutela religiosa, ao mesmo tempo em que as crenças e as
práticas herdadas coexistem e interpenetram-se com novas crenças e movimentos
religiosos, criando uma situação inédita, pois nem se trata de um simples
retorno religioso do passado, tampouco de uma dissolução da secularização.
Da
“sociedade secularizada” a “sociedade pós-secular”
Esse novo contexto conduz à revalorização do plano
simbólico e à necessidade de se dar sentido à vida, elementos que estão
intrinsecamente articulados em todas as tradições religiosas.
Assim, pode-se falar em “religiões públicas” no
sentido de que operam publicamente no espaço da “sociedade civil”. José Casanova
define a “religião pública” como aquela que, [...] mesmo aceitando a
desoficialização estatal e a neutralidade com respeito à disputa política,
reclamam pelo direito de intervir, dialógica ou polemicamente na esfera pública
da sociedade civil. o resultado dessa reformulação é uma concepção da religião
pública compatível com as liberdades do liberalismo e com a moderna
diferenciação estrutural e cultural (Casanova, 1995, p. 404).
Jürgen Habermas chama a persistência indefinida das
comunidades religiosas em um ambiente secularizador de sociedade “pós-secular”
(Habermas, 2001).
Trata-se de uma sociedade que tem superado a “fé
cientificista” de uma pura e dura compreensão objetiva do ser humano (que nem é
ciência, mas filosofia ruim), concedendo às convicções religiosas, com seus
fundamentos morais, ser uma voz necessária entre outras no interior do espaço
público.
A religião
na globalização
José Casanova identifica duas grandes mudanças no
campo da religião: a revitalização das grandes tradições ou “religiões do
mundo”, mas como comunidades religiosas “imaginadas”, transnacionais e
globalizadas.
A outra mudança diz respeito à “desprivatização
religiosa”, ou seja, a incursão da religião na esfera pública e no campo de
batalha do protesto político, não só para defender seu feudo tradicional, mas
também para participar das mesmas lutas no sentido de definir e assentar as
fronteiras modernas entre as esferas pública e privada, entre legalidade e
moralidade, entre família, sociedade civil, economia e Estado na escala global.
Conclusão
A persistência da religião e, em muitos casos, o
crescente papel de protagonista adquirido na dinâmica social de nossas
sociedades hipermodernas e globalizadas têm levado muitos a pensar na
obsolescência das teorias sociológicas sobre a secularização.
Para a maioria dos autores aqui analisados, as
características do ressurgimento religioso se ergueram com base no “espírito”
da modernidade radicalizada (pluralismo, preeminência do emocional,
desconfiança da razão etc.).
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