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18.6.18

SANTOS, J. A Teoria e a Tipologia de Classe Neomarxista de Erik Olin Wright. Dados, v. 41, n.2, 1998. (pp. 377-410)

Dedicando-se à explicação de padrões sociais manifestos no plano individual, as tipologias de classe de Erik Olin Wright e de John Goldthorpe representam os esquemas de classe, aplicáveis à pesquisa empírica e à análise multivariável, mais consagrados na sociologia contemporânea (Crompton, 1994; Edgell, 1995; Breen e Rottman, 1995).

A formação do pensamento do autor deu-se em contraponto às insuficiências do pensamento marxista contemporâneo para interpretar, notadamente, a emergência de posições referidas como de "classe média" dentro da estrutura de classes.

A POLÊMICA SOBRE A "CLASSE MÉDIA" E O PRIMEIRO MAPA DE CLASSES DE WRIGHT

Wright fez uma análise de três dimensões inter-relacionadas da dominação e subordinação dentro da produção, envolvendo o capital monetário, considerado em termos do fluxo de investimentos dentro da produção e da direção do processo de acumulação no seu conjunto; o capital físico, ou seja, os meios de produção efetivos dentro do processo de produção; e o trabalho, envolvendo as atividades transformativas dos produtores diretos dentro da produção.

A não-correspondência entre as três dimensões gera, justamente, as "localizações contraditórias dentro das relações de classe": gerentes e supervisores ocupam localização contraditória entre a classe trabalhadora e a classe capitalista; pequenos empregadores entre a pequena burguesia e a classe capitalista propriamente dita; e empregados semi-autônomos entre a pequena burguesia e a classe trabalhadora.

A OBRA DE JOHN ROEMER

A exploração do trabalho nem causa nem explica os lucros e a rentabilidade do capitalismo. A teoria da exploração do trabalho é considerada incorreta, pois a força de trabalho não é a única mercadoria capaz de produzir mais valor do que incorpora. Roemer contrapõe a essa idéia o teorema da exploração generalizada da mercadoria4 (Roemer, 1989a:35-41; 1989b:118-119).

A propriedade diferencial dos meios de produção é destacada como a causa principal da exploração capitalista. Uma pessoa ou grupo são explorados se não têm acesso a uma participação justa (eqüitativa) nos ativos produtivos alienáveis da sociedade.

Roemer introduz adicionalmente o enfoque da "teoria dos jogos" para comparar diferentes sistemas de exploração. Sugere que um grupo deva ser visto como explorado caso tenha "alguma opção condicionalmente factível de acordo com a qual seus membros estariam melhor" (Roemer, 1989b:121)

Roemer procura demonstrar dois teoremas básicos5. O teorema da Correspondência entre Riqueza e Classe vai relacionar a posição de classe de um produtor com a sua riqueza.

O segundo teorema, da Correspondência entre Exploração e Classe, estabelece que é um explorador o membro de uma classe que aluga trabalho e é um explorado o integrante de uma classe que vende trabalho. 

Amparado em seu esquema analítico, Roemer estabelece uma taxionomia histórica da exploração: a exploração feudal surge da distribuição desigual dos direitos de propriedade sobre o trabalho dos outros; a exploração capitalista vincula-se à distribuição desigual dos ativos de propriedade produtiva alienável; enquanto o socialismo, ainda que anule as formas pretéritas de exploração, convive com uma forma de exploração calcada na distribuição das dotações pessoais inalienáveis ¾ as habilidades (idem:104-107).

Ao colocar o conceito de exploração no centro da análise de classe, Wright acolherá a idéia de Roemer de que a exploração material é determinada pelas desigualdades na distribuição dos ativos produtivos. As classes aparecem como posições derivadas das relações de exploração.

O CONCEITO DE CLASSE

Na tradição marxista, a base fundamental da exploração, por sua vez, encontra-se nas relações sociais de produção. 

Classes dizem respeito a localizações estáveis e estruturalmente determinadas na esfera das relações sociais de produção; definem-se em termos de relações de propriedade, ou seja, dos ativos produtivos controlados, e formam categorias de atores sociais caracterizados pelas relações de propriedade que geram exploração.

Wright vem reconsiderando mais recentemente o papel da dominação na constituição das relações de classe.

"dominação sem apropriação e apropriação sem dominação não constituem relações de classe" (idem:300). Segundo ele, classe é um conceito intrinsecamente político, já que requer relações de dominação. Direitos de propriedade devem implicar dominação sobre a atividade dos trabalhadores diretamente dentro da própria organização social da produção.

A NOÇÃO DE EXPLORAÇÃO

Wright estabelece uma distinção entre opressão econômica e exploração. Na opressão econômica, o bem-estar da classe opressora decorre apenas da privação material do oprimido e, ligado a isso, da sua capacidade de proteger seus próprios direitos de propriedade. No caso da exploração, o bem-estar material e o poder econômico do explorador dependem causalmente da sua capacidade de apropriar-se dos frutos do trabalho do explorado, o que equivale a uma transferência de excedente de uma classe para outra.

O explorador depende, desse modo, não meramente da privação do explorado, mas ele tem também interesse na atividade produtiva e no esforço do explorado.

As bases materiais da exploração são as desigualdades na distribuição dos ativos produtivos, ou o que é usualmente referido como relações de propriedade. 

Wright aponta as vantagens do conceito de classe centrado na exploração. A abordagem do problema dos interesses objetivos de classe fica mais clara, pois essa noção adquire um conteúdo mais materialista e histórico ao vincular-se à propriedade efetiva de elementos das forças produtivas, cujo desenvolvimento imprime aos sistemas de classe a sua trajetória histórica. 

Ainda que as diversas dimensões da desigualdade social não possam ser reduzidas à desigualdade de classe, a premissa subjacente à análise marxista é a de que as relações de classe jogam um papel decisivo na moldagem das outras formas de desigualdade.

A sociedade capitalista atual contém, além da exploração capitalista, formas não capitalistas de exploração, estruturalmente subordinadas ao capitalismo, que fornecem as bases materiais para formas secundárias de relações de classe.

Em seu livro Classes, Wright considerou a existência de ativos organizacionais, já que a organização é entendida como" as condições de cooperação coordenada entre produtores em uma complexa divisão do trabalho" e representa um recurso produtivo específico, além de um ativo controlado dentro de uma hierarquia de autoridade (idem:79). 

Na corporação moderna, na prática, o exercício efetivo de controle sobre os ativos organizacionais e sobre a coordenação e integração da divisão do trabalho está nas mãos dos gerentes. Em termos do nexo exploração/classe, esse controle constitui a base para uma estrutura particular de relações de classe entre gerentes e trabalhadores (Wright, 1985:80 e 94). 

Gerentes e supervisores exercem um poder delegado da classe capitalista na medida em que se engajam em práticas de dominação dentro da produção. 

Entretanto, a posição dos gerentes não decorre apenas das relações de dominação, mas também da ocupação de uma localização privilegiada de apropriação (privileged appropriation location) dentro das relações de exploração. A solução parece nova e não apenas um retorno a idéias presentes no primeiro mapa de classes, sugerindo que os gerentes estariam em uma espécie de posição de confluência das relações de dominação e exploração (Wright, 1997:20-23).

A propriedade de qualificações escassas forma uma outra conexão ativo/exploração. Qualificação e perícia designam um ativo incorporado na força de trabalho que aumenta o seu poder nos mercados e processos de trabalho.

Os talentos naturais representam um segundo mecanismo por meio do qual o preço da força de trabalho qualificada pode exceder seu custo de produção. Os diferenciais de capacidade permitem que as pessoas talentosas se apropriem de uma renda extra ao adquirirem habilidades, com menor esforço e custo. 

A ESTRUTURA DE CLASSES

A estrutura de classes refere-se à estrutura de relações sociais que define um conjunto de posições ocupadas por indivíduos ou famílias e que determina seus interesses de classe. Ela corresponde a uma estrutura de" lugares vazios" gerados pelas relações sociais de produção, que existe independentemente de pessoas específicas que ocupam posições determinadas. Trata-se, então, de "um conjunto de posições de classe que existem independentemente das pessoas que o ocupam, mas que, todavia, determina os interesses de classe dos seus ocupantes" (Mayer, 1994:132)

MODELO DE ESTRUTURA, FORMAÇÃO E LUTA DE CLASSES

Estudo comparativo sobre a questão da permeabilidade diferenciada das fronteiras de classe à mobilidade intergeracional entre homens nos Estados Unidos, Canadá, Noruega e Suécia mostra a interferência dos fatores político-institucionais na reprodução das classes. Emerge da pesquisa um claro padrão de variação entre as nações estudadas. A fronteira de propriedade é menos permeável nas sociedades em que as relações econômicas capitalistas são menos constrangidas pela intervenção estatal. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Wright defende a existência de uma conexão entre propriedade de ativos produtivos, exploração, dominação na produção e diferenciação de classes.

Wright não trata os especialistas, por esse e outros motivos, como uma classe enquanto tal. Prefere falar, no presente, que os especialistas ocupam uma localização privilegiada de apropriação nas relações de exploração decorrentes da sua posição estratégica na organização da produção (como controladores de conhecimento) e da sua localização estratégica na organização dos mercados de trabalho (como controladores de uma forma escassa de força de trabalho) (Wright, 1997:22).

Essa reelaboração teórica da localização dos gerentes, que enfatiza o engajamento em práticas de dominação na produção e a posição estratégica na organização da produção, não há como negar, implica minimizar o estatuto de "ativo produtivo" do controle organizacional.

Cabe considerar, igualmente, os limites de uma abordagem à análise de classes que, em certa medida, se mostra "centrada em empregos". Importantes situações ou processos que não se manifestam adequadamente em termos da estrutura de emprego escapam à análise.

Em termos de tradição marxista, a reelaboração do conceito de classe preserva as noções de apropriação de ativos produtivos e de exploração, o que, no entanto, não impede Wright de incorporar o papel da dominação dentro da produção na geração de diferenciações nas localizações de classe. Além de desenvolver um agudo senso crítico e autocrítico, o autor constrói um instrumental analítico dirigido à pesquisa empírica sistemática, que realimenta o seu pensamento e chega mesmo a contribuir para que a sua obra se projete em reelaborações. 

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