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6.7.18

FELICÍSSIMO, M. F. et al. Posição socioeconômica e deficiência:“Estudo Saúde em Belo Horizonte, Brasil”. Ciencia & saude coletiva, v. 22, p. 3547–3556, 2017.


O objetivo deste estudo é investigar a associação da posição socioeconômica e comorbidades com o autorrelato da deficiência.

A variável resposta foi deficiência, definida a partir do autorrelato de problemas nas funções ou nas estruturas do corpo.

A pior posição socioeconômica e a ocorrência de doenças parecem contribuir para a ocorrência de deficiência.

Introdução

A temática sobre pessoas com deficiência tem ganhado destaque em estudos na área da saúde pública e na política nacional, ocasionado pelo grande interesse dos pesquisadores, pelo aumento da prevalência de indivíduos com essa condição de saúde e pela precária condição socioeconômica enfrentada pelas pessoas com deficiência quando comparados à população em geral1-3.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 20151, estimou a prevalência de deficiência, no Brasil, em 6,2%. Percentual inferior ao apurado pelo censo de 20102, de 24%. Diferenças nos conceitos de deficiência explicam a discrepância entre as prevalências divulgadas e a dificuldade de comparação entre as pesquisas5.

Tem sido descrita de forma consistente uma associação inversa entre nível de instrução da mãe e prevalência de deficiência; à medida que diminui o nível de escolaridade materna, aumenta progressivamente a chance de deficiência9,10. Mães com melhor nível de instrução têm mais facilidade de prover os cuidados necessários aos seus filhos, maior renda, maior acesso à informação, utilizam mais os serviços de saúde e estão menos expostas aos fatores de riscos como consumo de álcool, uso de drogas e sedentarismo9

Estudos têm mostrado que indivíduos com deficiência e com maiores privações socioeconômicas têm elevada prevalência de comorbidades, menor acesso aos serviços de saúde e de reabilitação, o que amplia as iniquidades em saúde11-18. Esses estudos já trazem algumas evidências da relevância de políticas sociais focalizadas em populações com elevado nível de vulnerabilidade, como é o caso dos portadores de deficiências.

Deficiência, políticas sociais e pobreza

Políticas de bem-estar social, que visam o desenvolvimento social a partir da redução da pobreza e da desigualdade, se estabeleceram na agenda política dos países do hemisfério ocidental a partir do início do século XX20-22. No Brasil, foi a partir dos anos 1930 que políticas de bem -estar social começaram a ser implementadas. O caso mais marcante daquela década foi a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que efetivou uma série de benefícios de proteção do trabalhador no Brasil.

A partir da CF-88, o Brasil tem passado por um importante processo de desenvolvimento social, com melhoria de indicadores de saúde (em particular a queda da mortalidade infantil), de desigualdade e de pobreza.

As mais importantes políticas sociais que surgiram na década passada – como é o caso do Programa Bolsa Família (PBF) – são focalizados por medidas de testes de meios baseadas fundamentalmente na renda familiar per capita.

O BPC e as novas políticas de bem-estar social no Brasil seguem justamente esse modelo de seletividade e focalização, buscando ampliar os benefícios para os mais vulneráveis e, assim, eliminar a pobreza extrema.

“Com efeito, o artigo 203 da CF 1988 estabelece a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e às pessoas com deficiência, independentemente de contribuição à seguridade social. (Costa et al.26)

O objetivo central deste estudo é, portanto, trazer novos fundamentos empíricos, com base em análise estatística multivariada, para demonstrar a associação entre pobreza e deficiência. Mais especificamente, buscar-se-á avaliar se a baixa posição socioeconômica e maior frequência da doença estão associadas à maior prevalência de autorrelato de deficiência entre os indivíduos adultos e idosos, residente em um centro urbano.

Discussão

Este estudo mostrou que a baixa posição socioeconômica representada pela renda familiar, escolaridade materna e do entrevistado e a elevada frequência de doenças estão associadas à maior prevalência de deficiência.

A prevalência de DEF estimada pela Organização Mundial de Saúde (OMS)3, em 10%, foi semelhante à encontrada neste estudo. No entanto, a Pesquisa Nacional de Saúde, em 2015, estimou prevalência de DEF em 6%, ao passo que, o censo de 2010 em 24%. Como mencionado anteriormente, disparidades encontradas entre prevalências de DEF podem ser atribuídas a vários fatores, como: definições adotadas para o tema e variações nos instrumentos utilizados para coleta5.

Kingston et al.40 comprovaram a teoria do acúmulo de desvantagens ou riscos durante o curso de vida, afirmando que a pior escolaridade contribui para o agravamento da condição de saúde entre idosos na faixa etária de 85 a 90 anos com incapacidade funcional.

A pior condição socioeconômica e a elevada frequência de autorrelato de doenças parecem contribuir para o aumento do autorrelato de deficiência e favorecer as iniquidades em saúde nesse grupo populacional. Com foco na redução dessas iniquidades, nossos dados apontam para o incentivo de programas e políticas públicas com estímulo a práticas de prevenção a doenças e agravos na saúde. Nossos resultados indicam a enorme relevância da política de transferência de renda focalizada por meio da aplicação de teste meio com base na renda familiar per capita e voltado a uma população com elevado nível de vulnerabilidade, que é o caso dos portadores de deficiência.

Referências

1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2013: ciclos de vida: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010: características gerais da popu-lação, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE; 2012. 3. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial sobre a deficiência.World Report on Disability. São Paulo: SEDPcD; 2012.

Costa N, Marcelino M, Duarte C, Uhr D. Proteção so-cial e pessoa com deficiência no Brasil. Cien Saude Co-let 2016; 21(10):3037-3047.

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