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ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

O proletariado industrial

O nível cultural dos diferentes trabalhadores está intimamente ligado às suas relações com a indústria: enquanto os operários industriais têm mais consciência de seus interesses, os mineiros a têm em grau menor e, entre os operários agrícolas, essa consciência quase não existe.

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Já assinalamos de passagem que a indústria centraliza a propriedade em poucas mãos, exige enormes capitais, com os quais cria gigantescos estabelecimentos, arruinando a pequena burguesia artesã e, colocando a seu serviço as forças naturais, expulsa do mercado os trabalhadores manuais isolados.

A tendência centralizadora da indústria, contudo, não se esgota nisso. Também a população se torna centralizada, como o capital

O grande estabelecimento industrial demanda muitos operários, que trabalham em conjunto numa mesma edificação; eles devem morar próximo e juntos – e, por isso, onde surge uma fábrica de médio porte, logo se ergue uma vila.

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Nas grandes cidades, a centralização da propriedade atingiu o mais alto grau; nelas só existe uma classe rica e uma classe pobre, desaparecendo dia a dia a pequena burguesia.

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As grandes cidades

Esses milhares de indivíduos, de todos os lugares e de todas as classes, que se apressam e se empurram, não serão todos eles seres humanos com as mesmas qualidades e capacidades e com o mesmo desejo de serem felizes?

Entretanto, essas pessoas se cruzam como se nada tivessem em comum, como se nada tivessem a realizar uma com a outra

Essa indiferença brutal, esse insensível isolamento de cada um no terreno de seu interesse pessoal é tanto mais repugnante e chocante quanto maior é o número desses indivíduos confinados nesse espaço limitado.

Essa atomização do mundo, é aqui levada às suas extremas consequências.

Tal como o amigo Stirner, os homens só se consideram reciprocamente como objetos utilizáveis: cada um explora o outro

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É óbvio que todos os ônus de uma tal situação recaem sobre o pobre.

Se tem a sorte de encontrar trabalho, isto é, se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer à sua custa, espera-o um salário apenas suficiente para o manter vivo; se não encontrar trabalho e não temer a polícia, pode roubar; pode ainda morrer de fome, caso em que a polícia tomará cuidado para que a morte seja silenciosa para não chocar a burguesia.

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Todas as grandes cidades têm um ou vários “bairros de má fama” onde se concentra a classe operária. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas, em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha.

Examinemos alguns desses bairros miseráveis.

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É uma massa desordenada de casas de três ou quatro andares, com ruas estreitas, tortuosas e sujas, onde reina uma agitação tão intensa como aquela que se registra nas principais ruas da cidade

Os mercados são as próprias ruas.

As casas são habitadas dos porões aos desvãos, sujas por dentro e por fora e têm um aspecto tal que ninguém desejaria morar nelas.

É difícil encontrar um vidro intacto, as paredes estão em ruínas, os batentes das portas e os caixilhos das janelas estão quebrados ou descolados

Aqui vivem os mais pobres entre os pobres, os trabalhadores mais mal pagos, todos misturados com ladrões, escroques e vítimas da prostituição.

Muitas vezes esses miseráveis refúgios do pior pauperismo se encontram próximos dos suntuosos palácios dos ricos.

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E a esses infelizes, entre os quais nem sequer os ladrões esperam encontrar algo para roubar, as classes proprietárias, por meios legais, como os exploram!

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Ouçamos o que diz o senhor g. Alston, pastor de st. Philip, bethnal green, acerca das condições de sua paróquia: A paróquia envolve 1.400 casas, habitadas por 2.795 famílias, ou seja, quase 12 mil pessoas. o espaço em que vive essa grande massa mede menos de 400 jardas quadradas (1.200 pés) e, num tal amontoamento, não é raro encontrar-se um homem, sua mulher, 4 ou 5 filhos e, às vezes, também o avô e a avó, num só cômodo de 10 ou 12 pés quadrados, onde trabalham, comem e dormem.

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Afirmo que milhares de famílias honestas e laboriosas encontram-se em condições indignas de seres humanos e que todo proletário, sem qualquer exceção, sem que a culpa seja sua e apesar de todos os seus esforços, pode ter o mesmo destino.

Todas as manhãs, em Londres, 50 mil pessoas acordam sem a menor ideia de onde repousarão a cabeça na noite seguinte.

Vejamos o que diz o Times de 12 de outubro de 1843:

É assustador que, no próprio recinto da riqueza, da alegria e da elegância, junto à grandeza real de St. James, nas proximidades do esplêndido palácio de bayswater, onde se encontram o velho e o novo bairros aristocráticos, numa área da cidade onde o requinte da arquitetura moderna prudentemente impediu que se construísse qualquer moradia para a pobreza, numa área que parece consagrada ao desfrute da riqueza, é assustador que exatamente aí venham instalar-se a fome e a miséria, a doença e o vício, com todo o seu cortejo de horrores, destruindo um corpo atrás de outro, uma alma atrás de outra!

O máximo prazer proporcionado pela saúde física, a atividade intelectual, as mais inocentes alegrias dos sentidos lado a lado com a miséria mais cruel! A riqueza que, do alto de seus salões luxuosos, gargalha indiferente diante das obscuras feridas da indigência!

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Galinhas transformam as armações das camas em poleiros, cães e até cavalos dormem com as pessoas nos mesmos quartos e, em consequência, sujeira, insetos e miasmas enchem os aposentos.

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Num periódico inglês5, em artigo sobre as condições sanitárias dos operários da cidade, lê-se:

Nessa parte da cidade não há esgotos, banheiros públicos ou latrinas nas casas; por isso, imundícies, detritos e excrementos de pelo menos 50 mil pessoas são jogados todas as noites nas valetas, de sorte que, apesar do trabalho de limpeza das ruas, formam-se massas de esterco seco das quais emanam miasmas que, além de horríveis à vista e ao olfato, representam um enorme perigo para a saúde dos moradores.

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Encontramos o mesmo quadro nas cidades industriais. Em Nottingham há, ao todo, 11 mil habitações, das quais 7 mil ou 8 mil estão de tal modo coladas umas às outras que nenhuma ventilação é possível; ademais, na maioria dos casos, uma só latrina serve a várias moradias.

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As cidades são irregulares e mal construídas, com pátios sujos, ruas e ruelas cheias de fuligem e têm um aspecto particularmente repugnante porque o tijolo – que constitui o material mais usado nas edificações –, sob a ação da fumaça, perde de todo a coloração vermelha e torna-se enegrecido. O mais comum são as moradias nos porões; eles são construídos onde quer que seja possível e neles vive parte muito considerável da população.

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Manchester é construída de um modo tão peculiar que podemos residir nela durante anos, ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um bairro operário ou até mesmo encontrar um operário – isso se nos limitarmos a cuidar de nossos negócios ou a passear. A razão é que – seja por um acordo inconsciente e tácito, seja por uma consciente e expressa intenção – os bairros operários estão rigorosamente separados das partes da cidade reservadas à classe média ou, quando essa separação não foi possível, dissimulados sob o manto da caridade.

Excetuada essa zona comercial, toda a Manchester não é mais que um único bairro operário que, com uma largura média de uma milha e meia, circunda como um anel a área comercial.

Manchester tem, em seu centro, um bairro comercial bastante grande, com cerca de uma milha e meia de comprimento e outro tanto de largura, composto quase exclusivamente por escritórios e armazéns (warehouses).

A alta e a média burguesia moram fora desse anel. A alta burguesia habita vivendas de luxo, ajardinadas, mais longe, em grandes e confortáveis casas, servidas, a cada quinze ou trinta minutos, por ônibus que se dirigem ao centro da cidade. A média burguesia vive em ruas boas, mais próximas dos bairros operários.

O curioso é que esses ricos representantes da aristocracia do dinheiro podem atravessar os bairros operários, utilizando o caminho mais curto para chegar aos seus escritórios no centro da cidade, sem se aperceber que estão cercados, por todos os lados, pela mais sórdida miséria.

De fato, as principais ruas que, partindo da bolsa, deixam a cidade em todas as direções, estão ocupadas, dos dois lados, por lojas da pequena e da média burguesias, que têm todo o interesse em mantê-las com aspecto limpo e decoroso.

Tais lojas sempre dão conta de esconder dos ricos senhores e de suas madames, de estômago forte e nervos frágeis, a miséria e a sujeira que são o complemento de seu luxo e de sua riqueza.

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Assim, conhecendo a cidade, é possível, pelo aspecto dos trechos das ruas principais, deduzir o tipo de bairro contíguo; mas, dessas ruas, é extremamente difícil contemplar de fato os bairros operários. Sei perfeitamente que essa disposição urbana hipócrita é mais ou menos comum a todas as grandes cidades; também sei que os comerciantes varejistas, pela própria natureza de seu negócio, devem ocupar as ruas principais; sei igualmente que nessas ruas, em toda parte, encontram-se edificações mais bonitas que feias e que o valor dos terrenos que as rodeiam é superior ao daqueles dos bairros periféricos; entretanto, em lugar nenhum como em Manchester verifiquei tanta sistematicidade para manter a classe operária afastada das ruas principais, tanto cuidado para esconder delicadamente aquilo que possa ofender os olhos ou os nervos da burguesia.

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É oportuno fazer agora algumas observações gerais sobre o tipo de construção dos bairros operários de Manchester. Já vimos que, na cidade velha, frequentemente o arbítrio presidia ao agrupamento das edificações. Cada casa foi construída sem que se tivessem em conta as outras.

Nas zonas um pouco mais recentes desse mesmo bairro, e em outros bairros que datam dos primeiros tempos do desenvolvimento industrial, verifica-se um esboço de plano. O espaço entre duas ruas é dividido em pátios mais regulares, a maioria deles quadrangular

Tais pátios se comunicam com as ruas através de passagens cobertas.

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Mais recentemente, adotou-se um outro sistema de construção, agora usado comumente. As casas não se constroem mais de forma isolada, mas às dúzias ou mesmo às grosas, por um único empreiteiro que se encarrega de uma ou duas ruas. elas se dispõem da seguinte maneira: uma das fachadas compreende as casas da primeira fila, que têm a sorte de possuir uma porta traseira e um pequeno quintal – e, por isso, seu aluguel é mais caro; por trás delas, há uma estreita ruela, a rua dos fundos (back street), fechada em ambas as extremidades e cujo acesso é lateral, um estreito caminho ou uma passagem coberta; as casas que dão para essa ruela são as que têm o aluguel mais barato e são as mais descuidadas; as paredes traseiras são comuns às casas da terceira fila, que dão para o lado oposto da rua e correspondem a um aluguel mais alto que os das casas da segunda fila, mas inferior ao das casas da primeira. A disposição geral é mais ou menos a da página seguinte. com esse sistema, a ventilação das casas da primeira fila é bastante boa e a daquelas da terceira fila pelo menos não é pior que a das edificações erguidas no velho sistema; em compensação, a fila do meio é tão mal arejada quanto as habitações nos pátios e as ruelas dos fundos são tão sujas quanto os pátios. os empreiteiros preferem esse sistema porque poupa espaço e permite-lhes explorar ainda mais os trabalhadores que ganham melhores salários, cobrando-lhes os aluguéis mais caros das casas da primeira e da terceira filas.

Aqui, torna-se impossível a renovação do ar; as chaminés das casas – se o fogo não está aceso – constituem as únicas saídas para o ar viciado dos pátios10.

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Pude ver muitas casas em que as paredes externas não eram mais que paredes de meio-tijolo, ou seja, eles vinham justapostos pelo lado mais estreito, não do comprimento e sim da largura. Esse procedimento é utilizado não só para economizar material, mas ainda porque os construtores nunca são os proprietários dos terrenos – segundo o costume inglês, os construtores alugam o terreno por vinte, trinta, quarenta, cinquenta ou mesmo noventa anos, ao fim dos quais o proprietário o recupera com todas as benfeitorias, sem pagar nada por elas. Por isso, o locatário do terreno calcula o preço das benfeitorias de forma a que tenham o menor valor possível ao final da locação

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O operário é constrangido a viver nessas casas já arruinadas porque não pode pagar o aluguel de outras em melhor estado, porque não existem moradias menos ruins na vizinhança das fábricas ou porque, ainda, elas pertencem ao industrial e este só emprega os que aceitem habitá-las.

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Devemos acrescentar que numerosas famílias, dispondo de apenas um cômodo, não obstante recebem pensionistas e hóspedes por noite em troca de algum dinheiro e não é raro que pensionistas e hóspedes de ambos os sexos se deitem na mesma cama com o casal.

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Eis o que se pode afirmar acerca das habitações dos operários nas grandes cidades: o modo como é satisfeita a necessidade de um teto é um critério que nos permite saber como são satisfeitas as outras necessidades.

É muito fácil concluir que nesses sujos covis só pode morar uma população esfarrapada e mal alimentada. Justa conclusão. As roupas da esmagadora maioria dos operários estão em péssimas condições, os tecidos empregados em sua confecção são os menos apropriados

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O que é verdade para o vestuário, é-o também para a alimentação. Aos trabalhadores resta o que repugna à classe proprietária. nas grandes cidades da Inglaterra, pode-se ter de tudo e da melhor qualidade, mas a preços proibitivos e o operário, que deve sobreviver com poucos recursos, não pode pagá-los.

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Em geral, as batatas que adquire são de má qualidade, os legumes estão murchos, o queijo envelhecido é mau, o toucinho é rançoso e a carne é ressequida, magra, muitas vezes de animais doentes e até mesmo já em decomposição.

Como à meia-noite de sábado as mercearias têm de fechar e nada pode ser vendido no domingo, as sobras que se estragariam até segunda-feira de manhã são liquidadas, a partir das dez horas da noite do sábado, a preços irrisórios, embora nove décimos desses restos já não sejam comestíveis no domingo de manhã; mas precisamente essas sobras constituem o prato dominical da classe mais pobre, que as compra. Nessas circunstâncias, a carne vendida aos operários é intragável; porém, uma vez comprada, é consumida.

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Os operários, entretanto, ainda são ludibriados de outra maneira pela cupidez da classe média. Os varejistas e os fabricantes adulteram todos os gêneros alimentícios do modo mais irresponsável, com inteiro desprezo pela saúde dos que devem consumi-los.

Vende-se manteiga salgada como manteiga fresca, cobrindo-a com uma camada de manteiga fresca.

Ao açúcar, mistura-se farinha de arroz ou outros gêneros baratos, assim vendidos a preços altos; até mesmo resíduos de sabão são misturados a outras substâncias e vendidos no açúcar. Mistura-se chicória ou outros produtos de baixo preço ao café moído; ao café não moído, dando-se-lhes forma de grãos, também se misturam outros artigos. também é frequente misturar-se ao cacau uma finíssima terra escura que, banhada em gordura de carneiro, deixa-se mesclar facilmente com o cacau verdadeiro.

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O rico não é enganado porque pode pagar os preços altos dos grandes estabelecimentos comerciais, que devem zelar por seu bom nome e prejudicariam a si mesmos se vendessem mercadorias de baixa qualidade ou adulteradas; o rico, acostumado à boa mesa, tem o paladar apurado e descobre a fraude com mais facilidade. Todos os gêneros falsificados, ou até envenenados, destinam-se ao pobre, ao operário.

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Mas não é só no que toca à qualidade que o operário inglês é logrado; também o é no que tange à quantidade. Em sua grande maioria, os peque-nos comerciantes têm medidas e pesos adulterados e os relatórios policiais registram diariamente um número incrível de delitos desse gênero.

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A alimentação habitual de cada operário varia naturalmente em função do salário. os operários mais bem pagos, em especial os operários fabris, em cuja família todos os membros conseguem ganhar alguma coisa, têm – enquanto essa situação perdura – uma boa alimentação: carne todos os dias e, à noite, toucinho e queijo. Nas famílias que ganham menos, só há carne aos domingos ou, às vezes, em dois ou três dias da semana; em compensação, comem-se mais batata e pão. À medida que descemos na escala salarial, verificamos que a alimentação à base de carne se reduz a alguns pedaços de toucinho misturados à batata; descendo ainda mais, até o toucinho desaparece, permanecendo o queijo, a batata, o pão e o mingau de aveia (porridge); quando chegamos aos irlandeses, restam apenas as batatas como único alimento. geralmente, a comida é acompanhada de um chá ligeiro, mesclado com um pouco de açúcar, leite ou aguardente.

Mas tudo isso só é verdade se o operário está empregado; desempregado, fica à mercê da sorte e come o que lhe dão, o que mendiga ou... o que rouba – e se não encontra nada, simplesmente morre de fome, como já dissemos.

Por isso, aí se recorre a todos os expedientes: cascas de batatas, restos de legumes, vegetais apodrecidos16, tudo serve como alimento, recolhe-se tudo que pode conter um só átomo de substância comestível.

À guisa de conclusão, resumamos os fatos. As grandes cidades são habitadas principalmente por operários, já que, na melhor das hipóteses, há um burguês para dois, muitas vezes três e, em alguns lugares, quatro operários; esses operários nada possuem e vivem de seu salário, que, na maioria dos casos, garante apenas a sobrevivência cotidiana. A sociedade, inteiramente atomizada, não se preocupa com eles, atribuindo-lhes o encargo de prover suas necessidades e as de suas famílias, mas não lhes oferece os meios para que o façam de modo eficaz e permanente. Qualquer operário, mesmo o melhor, está constantemente exposto ao perigo do desemprego, que equivale a morrer de fome e são muitos os que sucumbem. Por regra geral, as casas dos operários estão mal localizadas, são mal construídas, malconservadas, mal arejadas, úmidas e insalubres; seus habitantes são confinados num espaço mínimo e, na maior parte dos casos, num único cômodo vive uma família inteira; o interior das casas é miserável: chega- -se mesmo à ausência total dos móveis mais indispensáveis. o vestuário dos operários também é, por regra geral, muitíssimo pobre e, para uma grande maioria, as peças estão esfarrapadas. A comida é frequentemente ruim, muitas vezes imprópria, em muitos casos – pelo menos em certos períodos – insuficiente e, no limite, há mortes por fome. A classe operária das grandes cidades oferece-nos, assim, uma escala de diferentes condições de vida: no melhor dos casos, uma existência momentaneamente suportável – para um trabalho duro, um salário razoável, uma habitação decente e uma alimentação passável (do ponto de vista do operário, é evidente, isso é bom e tolerável); no pior dos casos, a miséria extrema – que pode ir da falta de teto à morte pela fome; mas a média está muito mais próxima do pior que do melhor dos casos. e essa escala não se compõe de categorias fixas, que nos permitiriam dizer que esta fração da classe operária vive bem, aquela mal, enquanto as coisas permanecem como estão; ao contrário: se, no conjunto, alguns setores específicos gozam de vantagens sobre outros, a situação dos operários no interior de cada segmento é tão instável que qualquer trabalhador pode ter de percorrer todos os degraus da escala, do modesto conforto à privação extrema, com o risco da morte pela fome – de resto, quase todos os operários ingleses têm algo a dizer sobre notáveis mudanças do acaso. são as causas de tudo isso que agora examinaremos mais de perto.

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