Resumo
Tivemos como objetivo identificar
e sistematizar os critérios de escolha utilizados por habitantes de Belo
Horizonte ao determinar seus percursos de mobilidade urbana, fazendo, a partir deles,
uma análise quanto às diferenças entre homens, mulheres e mulheres em contextos
diversos. Como metodologia foram utilizados métodos quantitativos de análise
estatística descritiva da Pesquisa Origem Destino (2012), e também métodos
qualitativos de entrevista e mapeamento afetivo do espaço. Concluiu-se que há
desigualdades profundas de gênero nas possibilidades e nas experiências de
mover-se na cidade, sendo estas constantemente atravessadas por particularidades
de classe, raça e local de moradia.
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Apresentação
Esta pesquisa teve como objetivo
identificar e sistematizar os critérios de escolha utilizados por habitantes de
Belo Horizonte ao determinar seus percursos de mobilidade urbana, fazendo, a
partir deles, uma análise quanto às diferenças entre homens, mulheres e
mulheres em contextos diversos.
A preocupação e a insistência com
o tema da mobilidade urbana vêm, primeiro, em ordem cronológica, da minha
experiência como mulher no mundo e nas cidades em que vivi ou por onde passei.
Só depois isso se transformou e se desenvolveu em um tema de interesse
acadêmico e em pergunta de pesquisa.
Texto em primeira pessoa e citando o que aprendeu com cada
autor.
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Formas generificadas de mover-se
acabam por refletir e manter capacidades e potencialidades diversas de acesso à
cidade e a seus recursos. (CASS, 2005; KAUFMANN et al. 2004). A disparidade de
renda entre homens e mulheres, por exemplo, e a distribuição desigual de equipamentos
de mobilidade pela cidade faz com que aqueles que possuem mais recursos a
utilizar mobilidades alternativas, privadas, enquanto constrange os que não os
possuem a usar apenas as formas disponíveis, gerando desigualdades no uso do
tempo e no acesso aos lugares de trabalho, lazer e consumo. (JIRÓN, 2007). É
por sua capacidade de produzir e reproduzir desigualdades que nos debruçamos
sobre o tema da mobilidade urbana e, mais especificamente, sobre as implicâncias
de gênero em sua prática e experiência.
O desejo e a urgência de fazer
uma ciência implicada com mudanças sociais e com a construção de sociedades
mais igualitárias também justificam nosso lugar nessa intercessão.
Questionar o paradigma da modernidade na Educação (Parsons,
etc).
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Assim, para fazê-lo, organizamos
este trabalho da seguinte forma: Primeiro faremos um apanhado das produções
científicas que se debruçaram sobre mobilidade e gênero, evidenciando
diferentes tendências e perspectivas de pesquisa. Em seguida, compartilharemos
nossas escolhas metodológicas e o percurso feito na construção deste estudo. No
terceiro capítulo, de forma breve, explicitaremos duas perspectivas fundamentais
para a leitura dos resultados e de sua análise, que será feita dividida entre os
critérios de tempo e espaço, no quarto e quinto capítulos, respectivamente. Por
fim, as considerações finais trarão um pequeno apanhado do conteúdo discutido
ao longo do trabalho, assim como algumas reflexões críticas e perspectivas para
estudos futuros.
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1 MOBILIDADES GENERIFICADAS
Como entram na discussão do
acesso, no entanto, as diferenças entre homens e mulheres? Há em algum grau
diversidades quanto à forma e às experiências que uns e outras vivem enquanto
se movimentando pelo espaço?
1.1 COMO PENSAR MOBILIDADES GENERIFICADAS?
A fim de facilitar a compreensão
das interpretações utilizadas, lançaremos mão de uma estratégia de polarização
das posturas conceituais, ainda que seu aparecimento no campo, naturalmente,
não se dê de forma tão rígida. Trabalharemos então com os contínuos: a) Marco
Funcional da Mobilidade – Paradigma das Novas Mobilidades, segundo as contribuições
de Sheller e Urry (2006); b) Mobilidade Individual Autônoma – Mobilidade Relacional,
segundo os aportes de Manderscheid (2014); c) Diferenças de sexo – Perspectivas
Feministas segundo as considerações de Santos et al. (2016) e Matos (2008). Ao
final, faremos uma consideração sobre os métodos mais utilizados e ao que eles convidam.
Criação de categorias, bem ao estilo Sociológico.
Primeiro mobilidades e depois a subdivisões: mobilidade
relacional e mobilidade de gênero.
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1.1.1
Marco Funcional da Mobilidade – Paradigma das
Novas Mobilidades
Explicação da virada da mobilidade em contraposição ao Marco
funcional da mobilidade, paradigma anterior.
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As lentes das novas mobilidades,
quando aplicadas aos espaços físico e geográfico, também buscam identificar
seus aspectos processuais, novamente contra uma ideia de estaticidade. Para
além de endossarem a crítica contundente que retira os lugares de uma posição
de depositório de processos sociais, os pesquisadores e pesquisadoras no marco
da virada os situam como nós de uma rede móvel de processos sociais – são neles
atuantes e por eles modificados em um processo de relação contínuo e em
constante transformação, enlaçados e sob a influência ainda de outros processos
igualmente em movimento.
Não se trata apenas de uma apresentação dos conceitos do novo
paradigma, mas de uma análise seguida de detalhada explicação.
Mobilidade como Método.
Trata-se também de uma proposta epistemológica
para um campo científico orientado pelo movimento. Em primeira pessoa, Urry
(2007 apud SILVA & LIMA, 2013, p. 7) diz estar convencido de “que pensar
através de uma ‘lente' das mobilidades provê uma ciência social distinta que
produz diferentes teorias, métodos, questões e soluções”.
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Mobilidade enquanto recurso: autores e respectivas abordagens
Em um campo recente e em plena
construção, encontramos a compreensão da mobilidade enquanto recurso de forma
similar, ainda que distinta, nos escritos de Uteng e Cresswell (2008), assim
como Kaufmann et al. (2004). Os primeiros situam a mobilidade associada à
concepção de capability desenvolvida por Amartya Sen (1973; 1985; 1993; 2005
apud UTENG; CRESSWELL, 2008) como uma alternativa ao modelo utilitarista de
medição de desenvolvimento econômico e social.
Kauffman, Bergman e Joye (2004)
também pensam em termos do potencial de mobilidade, sem se ater aos limites de
deslocamentos atuais ou passados, definindo seu conceito de motilidade como a
capacidade de ser móvel no espaço social e geográfico. Além disso, ao
formularem esse conceito, propõem que a mobilidade seja compreendida como uma
forma de capital social, podendo ser adquirida, investida e intercambiada por
outros capitais, incluindo o financeiro.
O tempo inteiro é proposto no texto um diálogo entre os
autores mostrando o que há em comum e as diferenças entre suas respectivas
abordagens. Os autores conversam entre si.
Aquilo que Ana Marcela chama de continuidades e
descontinuidades.
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Se em uma análise polarizada o
marco funcional da mobilidade esteve mais engajado com a eficiência de
deslocamentos para o alcance mais veloz, rentável e mais organizado a destinos
principalmente orientados ao trabalho, vemos um movimento crítico na virada da
mobilidade que busca trazer a dimensão da desigualdade na produção do espaço,
em seu acesso e nas experiências a ele associadas.
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1.1.2
1.1.2 Mobilidade Individual Autônoma –
Mobilidade Relacional
Pensar as mobilidades em rede
permitiu que o sujeito da mobilidade fosse também reposicionado em sua prática.
Da abstração de um sujeito autônomo e livre que determina seus trajetos de
forma completamente individual, surgem mais recentemente escritos críticos com
a proposta de uma leitura relacional das mobilidades. Entender a mobilidade dessa
forma significa situar aquele ou aquela que se move em sua rede familiar, de contatos
e no mundo social e espacial a seu redor. Assumindo as interrelações e interdependências
entre sujeitos moventes, a dinâmica dos deslocamentos na cidade ganha uma
complexidade antes apagada pela ilusão de uma autonomia liberal nessas práticas.
Manderscheid (2014) faz um apelo a essa
perspectiva uma vez que demonstra a partir de pesquisa empírica como as
escolhas de mobilidade são negociadas no ambiente familiar, discutidas entre os
membros da família e, então, realizadas. Não sem tensão, os agentes têm de
sincronizar seus interesses e possibilidades de movimento na cidade com os
interesses e possibilidades daqueles com quem convivem.
A crítica de Manderscheid
está direcionada a um modelo liberal de interpretação da mobilidade, em que o
sujeito toma suas decisões sem que sejam consideradas chances desiguais de
possibilidades de escolha.
Para além de localizar o sujeito
em sua rede mais próxima, que pode ser fonte de constrangimentos ao movimento,
a autora ainda observa os cerceamentos ou facilidades que as estruturas social e
geográfica podem ceder. Segundo ela, as infraestruturas urbanas, a localidade
da moradia, de serviços, juntamente com aspectos sociais desiguais de renda,
sexo, idade ou educação acabam por modelar padrões de mobilidade.
Se de um lado temos a crítica ao tipo de abordagem que
considera que a estrutura determina a mobilidade do sujeito, do outro temos que
fazer a crítica da abordagem liberal que considera que tudo depende do
indivíduo, desconsiderando os constrangimentos estruturais.
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Em uma perspectiva extremamente
móvel, Manderscheid (2014) se aproxima de Foucault (1980) para definir um
modelo que compreende as práticas de mobilidade como práticas relacionais,
sendo o efeito e estando continuamente construindo uma espécie de “dispositivo
de mobilidade”. Estariam envolvidos nesse dispositivo discursos, instituições,
suas normas e decisões, formas arquitetônicas, declarações científicas, valores
morais.
As práticas de mobilidade se
dariam nessa complexa rede; rede esta que permanece encoberta uma vez que se
analisam os padrões de mobilidades como escolhas livres e autônomas, levando ao
risco da naturalização de padrões de mobilidade fundamentados em situações de
desigualdade.
Frase importante: o que podemos encontrar no campo de
pesquisa das mobilidades generificadas?
Evidentemente, as pesquisas já
comentadas que situam as mobilidades generificadas em um contexto familiar se
encontram mais próximas de um marco relacional da mobilidade. Há ainda algumas
que consideram redes de contatos para a decisão acerca da forma de mover-se,
como CASS et al. (2005)
Pesquisas que se dedicam a
analisar de forma mais específica a experiência do medo nas mobilidades
femininas, também consideram a dimensão relacional, mas apontando estratégias
de acompanhamento utilizadas ou recomendadas pelas mulheres. (VALENTINE, 1989;
SIQUEIRA, 2016). A necessidade de sincronizar a própria mobilidade com a de
outras pessoas também é apontada em estudos da time-geography. (THRIFT, 1977;
ELLEGARD, 2019). Fundamentados na inseparabilidade das esferas do espaço e
tempo, e preocupados pela tendência dos estudos geográficos de não incorporar a
temporalidade em suas análises, os pesquisadores situam as mobilidades sempre
em relação a esses dois recursos.
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A concepção das práticas de mobilidade
como práticas relacionais nos são muito úteis nesta pesquisa. Ao analisar critérios
de escolha utilizados para mover-se vamos alinhadas às críticas feitas a um
modelo liberal da mobilidade, sem perder de vista as redes sempre presentes que
ora facilitam e ora restringem trajetos a serem escolhidos.
Definir qual caminho a pesquisa pretende seguir.
--- Page 27 ---
1.1.3
1.1.3 Diferenças de sexo – Perspectivas
feministas
Ao tratar de mobilidades
generificadas encontramos nas produções bibliográficas uma diversidade de
entendimentos e usos do termo gênero.
Discussão sobre a definição do conceito de gênero. No meu
caso será necessário a discussão do conceito de estudante ou de jovem ou de
adolescente.
A seguir, discutiremos de forma breve
esse desenvolvimento, as formas mais comuns do aparecimento do termo de forma
geral no campo científico e como ele esteve presente nas leituras que
realizamos para este estudo.
Histórico das aparições do termo gênero no campo de pesquisa.
O gênero como vocábulo não
necessariamente está relacionado às diferenças ou hierarquias entre os sexos.
Segundo Haraway (1991), contudo, ele sempre esteve associado a construções e
classificações de sistemas de diferença – seja na área da linguística, da
biologia, ou das ciências sociais.
--- Page 28 --- Text (red):
Definição do marco teórico dentro do qual o conceito de
gênero está sendo desenvolvido nesta pesquisa: no caso, o feminismo. No meu
caso, Bourdieu e Manderscheid.
Entretanto, nem todos os estudos
que se dedicaram explorar a temática do gênero, como análise relacional das
diferenças entre homens e mulheres, se realizam no campo feminista. A proposta
feminista trata de desnaturalizar e politizar a subordinação das mulheres
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1.2 O QUE JÁ SABEMOS?
Percebemos que em termos
metodológicos a maioria das pesquisas empíricas a que tivemos contato se encontraram
em um destes dois polos: pesquisas quantitativas a partir de grandes bases de
dados – sejam eles primários (BEST & LANZENDORF, 2005) ou secundários (SVAB,
2016; MAUTTONE & HERNANDEZ, 2017; TANZARN, 2008; KWAN, 2000; SCHEINER;
HOLZ-RAU, 2012; MANDERSCHEID, 2014; entre outros) – e pesquisas qualitativas
com referência etnográfica (com especial visibilidade às produções de Paola Jirón
(2000, 2007) e outras que dela se aproximam (LYRA, 2016; BREVIS, 2016).
Entretanto, nos pareceu raro o
aparecimento de métodos mistos ou heterodoxos.
Após longa revisão bibliográfica a autora aponta uma lacuna
metodológica no campo de pesquisa, o método ainda sub-explorado.
Nesta seção, discorreremos sobre
as informações já coletadas acerca das mobilidades generificadas.
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Um aspecto comum a todas as
pesquisas é que se percebe que há aspectos na vida das pessoas, homens e
mulheres, que influenciam em sua mobilidade diária. Percebe-se ainda que há
aspectos específicos que impactam na vida das mulheres de forma singular. Seja
na motivação do percurso, no seu tempo de duração, na distância percorrida, na estrutura
da viagem (se com múltiplas paradas ou de forma direta), no meio de transporte utilizado
ou nas experiências afetivas que uma pessoa experimenta ao mover-se, elencaremos
aqui os principais aspectos que apareceram como fonte de contorno das mobilidades.
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1.1.4
1.2.1 Padrões de deslocamento
Quanto à distância dos trajetos
realizados, observamos em Kwan (2000), Hjorthol (2008) e Hanson e Pratt (1995)
que as viagens de mulheres frequentemente apresentam um raio menor em relação
ao domicílio do que as dos homens.
Comparação dos padrões de deslocamento entre homens e
mulheres e os motivos das diferenças entre eles.
O cuidado relativo a filhos
também foi apontado como um fator de diminuição na distância dos percursos
(HJORTHOL, 2008), uma vez que são as mulheres que repetidamente se ocupam dos
trajetos de levar e buscar filhos na escola, geralmente localizada próxima à residência.
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Outras desigualdades relacionadas
aos meios de transporte utilizados por homens e mulheres na cidade foram
identificadas por Tanzarn (2008) no contexto africano, mas também no contexto
brasileiro. (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016). Mulheres são maioria tanto no uso
do transporte coletivo quanto nas viagens a pé, enquanto homens o são nos meios
motorizados.
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Outro padrão encontrado nos
estudos desse campo foi a limitação das viagens de algumas mulheres quanto ao
horário do dia.
O período da noite seria vetado
1.1.5
1.2.2 Experiências de mobilidade
Quanto às experiências de
mobilidade, percebemos dois eixos mais explorados pela bibliografia. O primeiro
deles é o anteriormente citado, das experiências de medo e insegurança
vivenciadas. O segundo se dedica a descrever experiências de conforto ou desconforto
nas mobilidades.
Sempre essa estratégia de agrupar os estudos em categorias.
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O campo das mobilidades
generificadas trata-se, como mencionamos, de um campo relativamente recente de
estudos, e apontamos aqui uma direção que merece aproximação. O fazemos também
como forma de salientar o silêncio da comunidade acadêmica com relação a essa
dimensão, uma vez que imaginamos que as experiências de rua de populações com
vivências corporais normativas ou não podem ser profundamente distintas. Se em
nosso estudo já percebemos inúmeras nuances com relação à corporeidade na
mobilidade, julgamos que pesquisas nesse sentido têm muito o que contribuir
para pensarmos o gênero na cidade. A seguir, apresentaremos nossas próprias
escolhas metodológicas, no sentido de contribuir com esse campo em
desenvolvimento e com a construção de cidades mais amplamente possíveis de
serem circuladas por homens e mulheres em sua diversidade.
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2 MATERIAIS E MÉTODOS
O objetivo desta pesquisa é
desvelar e compreender os critérios utilizados em escolhas de trajetos de
mobilidade urbana. Também, e a partir deles, identificar e compreender possíveis
diferenças entre critérios utilizados por homens e mulheres, situados em contextos
sociais e espaciais diversos.
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Pelo recorrido do campo acadêmico
que traçamos, foi possível apontar para certa polaridade nas produções e
métodos, fazendo-nos trabalhar a fim de desenvolver uma metodologia que
transitasse pelas esferas frequentemente enrijecidas entre estudos qualitativos
e quantitativos. Assim, optamos por lançar mão de métodos mistos para este trabalho
e o desenho metodológico final foi dividido em duas partes principais: 1)
análise estatística descritiva das práticas de mobilidade da população
belorizontina a partir da Pesquisa Origem Destino 2012 (Pesquisa OD); 2)
trabalho de campo e realização de entrevistas semiestruturadas com pessoas
selecionadas a partir de recorte territorial e de gênero.
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2.1 PESQUISA ORIGEM DESTINO: A PORTA DE ENTRADA
A Pesquisa Origem Destino é
hoje o principal instrumento utilizado pelo poder público para o planejamento
de políticas de mobilidade.
Apresentação e breve histórico da pesquisa origem e destino
Com auxílio do software Stata, foram
primeiramente analisados os dados sociodemográficos da amostra da população que
relatou não ter feito nenhum trajeto no dia anterior, com o propósito de
encontrar padrões de constrangimento da mobilidade associados ao sexo do
respondente e à presença de crianças no domicílio.
Interessante: analisar aqueles que declararam não ter se
movido no dia anterior e os motivos da imobilidade
Depois, passamos à análise dos
padrões de mobilidade encontrados entre pessoas que sim relataram trajetos
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Descrição das limitações do uso da pesquisa origem destino
enquanto método
A Pesquisa Origem Destino apresenta
algumas limitações específicas que gostaríamos de frisar.
a pesquisa não contém uma
variável referente à raça ou etnicidade
O fato de a Pesquisa OD utilizar
apenas o dia anterior à entrevista como referência para a descrição dos
trajetos é uma delas, fazendo com que mobilidades realizadas aos fins de
semana, por exemplo, não sejam computadas
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A dimensão relacional da
mobilidade já enfatizada por Manderscheid (2014) apareceu de forma muito
visível nas análises feitas, e este foi um eixo fundamental para que construíssemos
o recorte a ser utilizado para a realização das entrevistas, como veremos a
seguir.
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3 COMO LER ESTA PESQUISA: PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS
Antes de que comecemos a nos
aprofundar no conteúdo colhido e analisado durante a pesquisa, nos parece
necessário explicitar algumas perspectivas fundamentais para sua leitura. Falar
em critérios de escolha para a mobilidade, bem como dividi-los de forma a
prover um texto coerente e inteligível para sua interpretação, nos provocou inquietações
que merecem ser tratadas com cuidado para evitar compreensões difusas acerca do
nosso entendimento sobre a agência do indivíduo e a separação das dimensões de
espaço e tempo.
Neste capítulo fornecemos as
“lentes” que gostaríamos que fossem utilizadas para interpretar esses dois
aspectos da pesquisa.
3.1 PANORAMA DOS DADOS COLETADOS
Exposição dos conceitos necessários para a correta leitura da
pesquisa
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Entrevistas feitas, organizamos
em uma primeira análise de conteúdo a massa textual coletada nas narrativas em
63 critérios de escolha, que apareceram, somados, 766 vezes nas quase dezessete
horas de conversa que tive com os participantes
Uma análise mais minuciosa dos
dados nos fez perceber que para além de sua organização em famílias há três
grandes aspectos que orientam as mobilidades, sendo esses fatores associados ao
tempo, ao espaço e às interrelações humanas.
--- Page 58 ---
3.2 TRAMA ESPAÇO-TEMPO
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Critérios relacionados ao tempo
de deslocamento só fazem sentido uma vez que origens e destinos se encontram
apartados por alguma distância (física, virtual ou discursiva), que demanda
tempo para ser percorrida. Critérios de espaço, por outro lado, não podem ser
lidos sem que sejam localizados em um determinado tempo, em suas múltiplas
facetas: seja o tempo do ciclo de vida do sujeito, o tempo por seu corpo
percorrido
--- Page 61 ---
3.3 CRITÉRIOS DE ESCOLHA E INTERRELAÇÕES
Elias (2008), assim como Massey
(2004) também se mostra um crítico das separações rígidas a que estamos
acostumados sem nos questionar. Ao contrário da leitura tradicional de
indivíduo e sociedade configurados em esferas separadas que se relacionam mediante
a tensão entre o poder de agência do indivíduo e o poder de coerção da sociedade,
a interpretação de Elias situa estes dois pólos como elementos de um mesmo processo
social de indivíduos que existem em relação.
--- Page 62 ---
Uma vez em seu modelo temos indivíduos
interdependentes, o poder aparece na teia, na relação entre eles, e não como uma
coisa material que se concentra em um, em outro ou em grandes instituições.
Elias (1994) só consegue
demonstrar a inseparabilidade dessas duas esferas através de estudos de longo
prazo, que fazem uma leitura dos processos sociais como isto: processos, em
constante desenvolvimento e em transformação ao longo do tempo. O autor não
trata de fazer uma ciência social estática, e percebemos em suas leituras uma dimensão
móvel muito antes de termos tido contato com Sheller e Urry (2006).
--- Page 64 ---
4 CRITÉRIOS DE TEMPO
--- Page 65 ---
4.1 O USO DO TEMPO
Ao nos posicionarmos com
Manderscheid (2014) de forma crítica à ideia liberal e autônoma sobre as
decisões de mobilidade, nos apoiamos em leituras que situam o movimento na
cidade em um sistema de relações. Fazendo isso, identificamos como trabalhos
nessa linha (MANDERSCHEID, 2014; MADARIAGA, 2013; ROSA, 2018, entre outros) se
aproximaram dos conflitos da divisão sexual do trabalho de forma por vezes mais
explicitamente tomando um posicionamento feminista, por vezes menos.
Critica à ideia liberal de total autonomia do indivíduo nas
decisões de mobilidade.
4.1.1 Divisão sexual do trabalho: distribuição de tarefas nas práticas de
mobilidade
--- Page 66 ---
No Brasil, estudos de uso do
tempo revelam a manutenção de um padrão em que as mulheres são frequentemente
as responsáveis pela realização das tarefas domésticas, com grande influência
do nível de renda na quantidade de horas dedicadas a esse trabalho (IPEA,
2011). Tomando a população geral, tem-se no Brasil que as mulheres dedicam 73%
mais horas do que os homens em cuidados e afazeres domésticos (IBGE, 2018)
--- Page 67 ---
4.1.2. O lugar do cuidado na mobilidade: achados da pesquisa
O primeiro exercício que fizemos
foi tomando como base para análise os dados da Pesquisa OD 2012, em que nos
dedicamos a observar as diferenças nas motivações e durações dos trajetos,
assim como no uso do meio de transporte. Detalharemos o que foi encontrado e
posteriormente faremos uma discussão acerca dos resultados, levando em
consideração os conceitos de soberania do tempo (BREEDVELD, 1998) e efeito
túnel (tunneling effect). (JIRÓN, 2010).
Ao comparar homens e mulheres de
forma geral e homens e mulheres responsáveis pelo domicílio encontramos
diferenças marcantes quanto à mobilidade do cuidado.
Percebemos que as principais
diferenças na motivação dos trajetos encontram-se nos valores referentes às
porcentagens de trajetos realizados para o trabalho, o cuidado e o lazer.
--- Page 69 ---
Se observamos os padrões dos
homens e mulheres que se declararam responsáveis pelo domicílio ou seus/suas
cônjuges, temos um cenário semelhante, mas com diferenças mais acentuadas.
Tanto a mobilidade destinada ao trabalho quanto a destinada ao cuidado aumenta
para ambos os sexos, enquanto àquela destinada ao estudo apresenta um valor muito
reduzido.
--- Page 73 ---
Um aspecto que nos chamou atenção
no sentido contrário, entretanto, foi o retorno de um aumento de trajetos de
cuidado realizados pelas mulheres com as mais altas escolaridades. Esse detalhe
nos faz inserir aqui um conceito que nos acompanhará pelo restante do trabalho:
o de soberania de tempo. Breedveld (1998) faz um relevante apontamento ao desdobrar
a discussão proposta pela time-geography acerca do tempo como recurso ao tratar
de soberania de tempo (time-sovereignty). Falar do tempo em termos de recurso implica
reconhecer que as pessoas têm dele uma disponibilidade limitada para realizar suas
atividades. Caso uma pessoa tenha apenas uma tarefa para realizar durante todo
um dia, não dependa de sincronizar seu tempo ou espaço com o de outras pessoas (pareamento),
e tenha necessidade de dormir oito horas por dia, ela teria em seu “time- budget”
(em uma tradução livre: orçamento de tempo) 16 horas disponíveis. O interesse de
Breedveld (1998) ao considerar um aspecto de soberania do tempo é então o de analisar
a capacidade dos indivíduos de controle do tempo que têm disponível – não
apenas considerar o acesso a um recurso, mas o domínio que se tem quanto a seu
uso.
Ao se debruçar sobre a realidade
de cronogramas de trabalho flexíveis, Breedveld (1998) percebe que homens e
pessoas com escolaridade mais alta (em oposição a mulheres e pessoas de outros
níveis educacionais) conseguem definir com maior liberdade os limites de um
cronograma flexível de trabalho – as horas de trabalho destinadas a ele (número
de horas e o período do dia em que serão exercidas) e o local onde ele será
realizado (se em casa ou em um local institucional de trabalho). Seu trabalho indica
que esses grupos teriam mais soberania em decidir como, quando e quanto trabalhar,
podendo de fato escolher com maior liberdade como fazê-lo.
--- Page 74 ---
Parece-nos aqui também que nas
faixas de mais alta escolaridade entre mulheres há um fator relacionado à
possibilidade de escolha dos trajetos que se quer fazer, podendo “se dar ao
luxo” de dedicar mais tempo a trajetos de cuidado. Jirón (2017) também o
identifica esse padrão, ao relatar a preferência de mulheres de alta renda por
não delegar a tarefa de levar filhos na escola ao desejarem passar mais tempo,
um tempo de qualidade, junto a eles.
--- Page 115 ---
5 CRITÉRIOS DE ESPAÇO
A forma do espaço, os símbolos
nele impressos, recursos por sua extensão distribuídos e sua organização também
são fatores que identificamos como orientadores do processo de tomada de
decisão acerca das mobilidades. Neste capítulo explicitaremos a partir das
entrevistas porque e como o “espaço importa”.
--- Page 136 ---
5.2.2 Redes de solidariedade como recurso
Anteriormente já evidenciamos
como a capacidade de acionar redes de familiares e amigos expandiu a
possibilidade de mover-se com relação a critérios de tempo, que se relacionam
também com a distância do destino desejado. Essa capacidade, traduzida em poder
deixar os filhos na casa da avó ou contar com familiares para ter acesso ao
carro, são possibilidades que apareceram em nossas entrevistas como formas de
acesso a oportunidades de trabalho mais distantes, à estratégia de saltar a
cidade e à percursos mais seguros, considerando a presença de um acompanhante.
--- Page 142 ---
5.3.1 A cidade quando se move
A perspectiva de Jirón (2010)
acerca dos espaços móveis também nos faz considerar as relações que são tecidas
com os lugares que estão em movimento enquanto nos deslocamos, aqueles que
passam velozmente por nós durante um translado.
--- Page 148 ---
A leitura de Breedveld (1998)
sobre a soberania de tempo, e, como adicionamos, também de espaço, nos é útil para
compreender algumas limitações e facilidades nas escolhas possíveis para a mobilidade
urbana. Entretanto, ela pode nos levar por uma via por demais funcionalista,
fazendo-nos crer que ao solucionar o problema do acesso físico (ou virtual) aos
destinos, as escolhas poderiam dar-se de forma livre e autônoma. Como compreendemos
os indivíduos em uma rede de relações a partir de Elias (ELIAS & FERREIRA,
2008), uma percepção como esta deve ser lida também inserida em redes que objetivamente
e subjetivamente modelam soberanias individuais. Para estes autores, no
entanto, não se trata de moldes deterministas, mas configurações que
inevitavelmente permitem em maior ou menor grau uma margem de ação individual.
Por essa razão sustentamos o uso dos termos de soberania, apesar da ressalva
que vai alinhada também à crítica de Manderscheid (2014) especificamente sobre
as escolhas de mobilidade. Text (red):
Importante: uma vez que autora crítica a ideia liberal de
autonomia das decisões individuais, é necessário explicar e contextualizar o
uso do termo soberania de tempo.
O ponto que queremos frisar é que
o problema do acesso à cidade não se resume no acesso ao transporte. É evidente
que o investimento em redes de mobilidade que ampliem as possibilidades de
caminhos e os destinos possíveis é uma medida contra desigualdades de
oportunidades na cidade. Entretanto, essa medida sozinha não é suficiente
quando consideramos a redução dos mapas de possibilidades também em uma esfera
subjetiva e social.
--- Page 151 ---
A dimensão afetiva na mobilidade
começa a despontar com a visibilização do medo nos trajetos principalmente
femininos. No entanto, enquanto corremos o risco de aprofundar estereótipos de
gênero por considerar apenas esta face do afeto e ainda ligá- la às mulheres de
forma exclusiva – colocando o sexo feminino novamente como aquele naturalmente
associada à afetividade, à esfera emocional e à posição de fragilidade – há outros
aspectos da afetividade que também seriam úteis à racionalização da mobilidade.
Se um mapa de oportunidades pode
ser também composto por elementos construídos via relações sociais próximas,
com familiares, amigos e professores, é possível dizer que ele também está
permeado de afeto, assim como fluxos determinantes para atingir destinos e
recursos na cidade. Text (red):
Conceito importante: mapa de oportunidades
--- Page 167 ---
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que o estabelecimento
de uma divisão sexual do trabalho, associada à uma separação das esferas
pública e privada entre homens e mulheres, influencia na disponibilidade de
tempo que ambos dispõem para as atividades e trajetos cotidianos, assim como em
suas possibilidades de circulação no espaço público.
De forma muito específica
percebemos o quanto um arranjo familiar com filhos modelou de forma insistente
a soberania das mulheres, principalmente com relação a seu tempo. Entretanto,
fato é que aquelas em situação de menor vulnerabilidade, com capacidades de
terceirizar tarefas e ter acesso a automóveis para locomover-se apresentaram ter
maior controle de seus recursos de espaço e tempo. Também aquelas que puderam
contar com redes de solidariedade o demonstraram. Por outro lado, quanto mais
grave a situação de vulnerabilidade, menor o controle – ou soberania – destes
recursos. Nestas circunstâncias é que percebemos com maior evidência o peso da
dependência de serviços públicos ineficazes de mobilidade, que ao mesmo tempo
em que possibilitam o alcance a determinados destinos em determinados horários,
também os limita de acordo com sua organização, circunscrevendo as
possibilidades de acesso à recursos, atividades e destinos na cidade.
A ineficiência de um sistema de
mobilidade que não dá conta das demandas complexas da população foi traduzida
em todos os relatos como a urgência de acesso ao automóvel para transpor
barreiras de acesso a recursos.
Nos relatos das mulheres, o
automóvel também é sinônimo de segurança, e de forma mais explícita ao se
tratar de trajetos a serem realizados no período noturno. A dificuldade em acessá-lo
muitas vezes apareceu como fonte de imobilidade de mulheres, que preferiam
ficar em casa a arriscar-se por um trajeto. Também, o automóvel aparece como
chave para facilitar trajetos feitos acompanhados de crianças e das cargas –
mochilas, bolsas e sacolas de supermercado – que muitas vezes vem acompanhando
estes trajetos de cuidado com a família e com a casa, feitos de forma expressiva
mais frequentemente pelas mulheres que entrevistamos.
O local de moradia, assim como o
IDHM das regiões que elencamos ao estruturar nosso recorte metodológico,
mostraram sua alta relevância no que diz respeito à quantidade de recursos
disponíveis no espaço, o que levava a viagens mais curtas e rápidas.
Não só com relação à presença de
automóveis no domicílio, a proximidade de equipamentos de saúde, educação e
lazer variou entre os bairros de nossa amostra, estando em maior número naquela
da região do Anchieta, a de maior IDHM e localizada na região centro-sul da
cidade. Porém, ainda que um bairro estivesse localizado distante da região central
da cidade – como no caso da região do Castelo e Barreiro de Cima - o acesso a um
automóvel foi sinônimo de viagens mais rápidas, curtas e agradáveis. Também,
como presenciamos no caso do Barreiro de Cima, se há uma concentração de recursos
próximos à residência, percebe-se um aumento na facilidade de acesso e uma
melhora na experiência da mobilidade. Ainda, transitar por espaços com uma
maior variedade de recursos, por ruas movimentadas por comércios, colégios ou
hospitais também foi um fator repetidamente lembrado pelas entrevistadas como
fonte de maior segurança e agradabilidade.
A forma do espaço, trazida aqui
na análise da infraestrutura viária, da geometria do caminho e da topografia da
cidade foi também vista como orientadora de caminhos. Ruas escuras, esburacadas
e mal sinalizadas, por exemplo, eram constantemente evitadas e se mostraram
fonte de redução das possibilidades de trajetos e acesso a recursos.
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Não é preciso dizer que no sentido
de diminuir as desigualdades de gênero que encontramos, a solução tampouco pode
ser limitada a melhorias na mobilidade urbana.
estudos feministas que apontam
para a necessidade de mudanças no que diz respeito à divisão sexual do trabalho
e à regulação social do corpo das mulheres nas esferas privada e pública.
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